Você está demitida! Saia agora, incompetente!” – gritou a sogra com um sorriso cruel, expulsando a nora do escritório.

— Ai, meu Deus, quase me mijei de rir naquela reunião! — Mariana atirou os sapatos num canto e desabou no sofá, sem nem se preocupar em tirar o blazer. — Imagina? Ser acusada de desfalque na frente de todo o departamento! E eu, mãe de Deus, sou contadora experiente, auditada pela ‘Grande Consultoria’!

Mas falava para o vazio. Para o armário da cozinha, para o gato Tomás e para a garrafa de espumante do Alentejo. Porque as pessoas cansam, e os armários guardam segredos.

Tudo começou, como sempre, numa segunda-feira.

— Mariana, entra aqui — disse Carla Sofia pelo telefone, sem qualquer emoção. Assim só falam robôs ou sogras decididas a começar uma guerra.

O gabinete dela parecia um congelador, só que mais frio: dava para sair de lá sem autoestima e sem carreira.

Mariana entrou. Acenou com a cabeça, breve e profissional. À mesa, a sogra. Pela janela, a skyline de Lisboa e os estilhaços da sua confiança.

— Temos uma situação… — começou Carla Sofia, apertando os lábios. — Nos relatórios do último trimestre, há um desfalque sério. Quase seiscentos mil euros. E tudo está assinado por ti.

Mariana sentou-se. Não na cadeira, mas na beira dela — como se fosse o limite de um precipício. Não teve tempo de responder, só riu amargamente com o canto da boca — aquele sorriso nervoso que até dá vergonha de ver no espelho.

— Está a falar a sério, Carla Sofia? — Mariana tentou manter a voz calma. — Não sou nenhuma estagiária. Respondo por cada número. Verifique o histórico de alterações.

— Já verificámos — cortou-lhe. — Tudo documentado. Assinaturas, cálculos. Ou foste negligente… ou foi intencional?

— Isto é uma provocação? — a voz falhou. — Eu verifico cada documento três vezes antes de assinar! Quem é que—

— Chega, Mariana. Estás despedida. Por justa causa.

— O Miguel sabe? — sussurrou.

— Claro que sabe. Concordou.

Naquele momento, Mariana sentiu o chão desaparecer. Não esperava heroísmo do marido, mas que ele ficasse do lado da mãe? Depois de oito anos de casamento e duas hipotecas?

Levantou-se. Em silêncio. Só disse, ao sair:

— Carla Sofia, não precisas de uma nora. Precisas de um espelho para admirar-te e repetir: ‘Que inteligente, que bem-sucedida, que forte… e tão sozinha como uma árvore no campo.’

Ela não respondeu.

Mariana saiu.

O resto foi como um filme de terror: notificação no e-mail, bloqueio no WhatsApp e silêncio total do marido.

Ele simplesmente evaporou. Como um gato abandonado. Nenhuma chamada, nenhuma mensagem. Só uma transferência de quinhentos euros — ‘para comida’.

Obrigada, amor. Agora mesmo estava a pensar em temperar o jantar com um pouco de humilhação e fritá-lo na frigideira da deceção.

Três dias depois, o telefone tocou. Número desconhecido. Voz conhecida:

— Mariana, sou o António Duarte.

Ela quase deixou cair a chávena. O ex-sogro. Aquele que, anos atrás, saiu de casa e foi para o Algarve construir casas. Literalmente — tijolo por tijolo.

— Soube o que aconteceu — a voz dele era suave, mas firme. — Quero falar contigo. Talvez oferecer-te trabalho.

Mariana hesitou.

— Acredita em mim? — perguntou.

— Não é questão de acreditar — respondeu ele. — É questão de justiça. E, quem sabe, da tua oportunidade de fazer um movimento.

Encontraram-se na Avenida da Liberdade. Café aconchegante, casaco cinzento, olhar de aço temperado.

— Saí daquela família, mas não saí da cabeça dela — disse António. — A Carla está a repetir o passado. Mas tenho um plano. Preciso de uma contadora de confiança. E tu serves.

Mariana riu — amargo, quase histérico.

— Acabaram de me humilhar, despedir, e o meu marido, diga-se de passagem, achou que era a melhor solução.

— Por isso mesmo — sorriu ele. — Hora de dar xeque-mate.

Naquela noite, Mariana não dormiu. Revia relatórios, pensava em cada detalhe. Sabia: tinham-na armado. E sabia como.

De manhã, vasculhou o e-mail. E, de repente — achado: uma cópia de um documento interno que nunca devia ter ido parar ao relatório final. Mas foi. Com a sua assinatura. Que ela nunca pôs ali.

Foi hackeada. E só uma mulher podia orquestrar isso — com diploma em economia e coração de gelo.

— António — disse ao telefone. — Aceito. E tenho algo interessante.

— Excelente — nem perguntou o quê. Só acrescentou: — Mas lembra-te: se seguirmos em frente, não há volta atrás.

— Não quero voltar — respondeu baixinho. — Sigo em frente.

No dia seguinte, vestiu o blazer e dirigiu-se a um novo escritório. A empresa de António cheirava a ambição, café e canela.

Andava confiante. Porque, pela primeira vez em dias, não sentia raiva ou desespero — sentia excitação. Como se estivesse na linha de partida, e alguém já tivesse começado a contagem:

‘Um… dois… vinga-te.’

— Então, estás a dizer que ela falsificou a tua assinatura? — António girava um pen-drive como se fosse o pino de uma granada.

— Não — Mariana fez uma pausa. — Ela copiou-a. Digitalizou, editou, inseriu no PDF. Há mil formas. Não sabe o que uma mulher é capaz quando odeia a nora?

— Eu vivi com ela vinte anos — riu-se, apertando os olhos. — Custou-me os nervos e metade do cabelo. Mas tu aguentaste mais do que pensei. Cinco anos no reino dela é como uma pena no Aljube.

— Cinco e meio — corrigiu mentalmente, apertando as mãos. E, com cada memória — dos jantares cheios de indiretas, dos olhares mais cortantes que uma faca — crescia nela um desejo simples: não só vingar-se, mas fazê-lo com estilo.

Agora, os dias eram diferentes. António tinha uma nova empresa de construção, projetos ambiciosos, contactos que valiam ouro. Deram-lhe o cargo de diretora financeira, apesar do ‘despedida por justa causa’ no currículo.

— Sabes — disse ele um dia, numa sala vazia —, eu queria que o Miguel casasse com uma mulher inteligente. Só não pensei que a inteligência fosse um problema.

— Queres que finja ser parva? — Mariana sorriu torto. — Como a Joana do antigo escritório, cuja função era servir café e rir das piadas.

— És demasiado independente — balançou a cabeça. — A Carla Sofia não gosta disso. Ela quer gente obediente. Que concorde e a admire.

— Eu admiro — endireitou-se —, especialmente se estiverem a oferecer-me um Mercedes.

Ele riu-se. Alto e genuíno.

Mas a alegria durou pouco.

Uma semana depois, António mostrou-lhe ficheiros. E-mails, transferências, documentos que ela nunca vira. Afinal, Carla Sofia não só falsificava assinaturas como… roubava. Não milhares — centenas de milhares.

— Vês isto? — apontou para uma tabela.

— Offshores? — franziu a testa.

— Era o teu bilhete para o inferno, se tivesses ficado —E, quando o sol se pôs sobre o Tejo, Mariana percebeu que a verdadeira vitória não estava em derrotar ninguém, mas em encontrar a paz que sempre lhe pertencera.

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