O pátio de treinos atrás da esquadra da Unidade Cinotécnica da PSP estava estranhamente silencioso — exceto pelos rosnados. Correntes de metal rangiam e esticavam enquanto o Pastor Alemão investia mais uma vez, músculos tensos, olhos ardendo com algo selvagem e indescritível. Medo. Raiva. Dor.
“Recuem!” ordenou um agente, puxando um dos recrutas mais novos para trás. “Ele ataca qualquer um que se aproxime.”
O cão atingiu o fim da corrente com tanta força que o poste tremeu. Espuma escorria dos cantos da boca. Chamava-se Ajax e, antes da explosão, antes da emboscada que levou o seu treinador, fora uma lenda. Ajax conseguia seguir um rastro por quilómetros, imobilizar suspeitos armados e nunca se encolhia perante tiros. Fora leal, destemido, invencível.
Mas desde aquele dia, há seis meses — desde a emboscada naquele beco —, Ajax tornara-se inalcançável. Atacara o veterinário que tentara tratar-lhe as feridas. Mordera a luva de um tratador. Recusava comida, recusava água, a não ser que ninguém estivesse a ver. Não dormia — apenas fixava o espaço vazio no canil, choramingando para as sombras.
E agora, a cidade decidira. Se ninguém o acalmasse até o pôr-do-sol, Ajax seria sacrificado.
O chefe da Unidade Cinotécnica permanecia à margem do pátio, o maxilar cerrado. “Ele está a sofrer”, murmurou, quase para si mesmo. “A culpa não é dele.”
Ao lado, um agente do canil abanou a cabeça. “Há coisas que não têm volta. Ele viu demasiado.”
Todos estremeceram quando Ajax rosnou novamente — um som que não era apenas raiva, mas desgosto.
Ninguém reparou, de início, na figura pequena junto ao portão.
Foi o guinchar das dobradiças que os fez virar-se.
“Ei! Quem é—”
“Miúda! Para!”
As palavras saíram quase em uníssono quando uma menina, não mais que sete ou oito anos, entrou no pátio. O cabelo castanho em tranças desalinhadas, os ténis gastos, o casaco cor-de-rosa largo nos ombros, como se tivesse pertencido a alguém maior. Na mão, apertava algo pequeno — uma medalha militar redonda, verde, as bordas desgastadas pelo tempo.
Todos os agentes pararam.
“Tirem-na de lá!”, gritou alguém. “Esse cão mata-a!”
Mas a menina nem pestanejou. Continuou a avançar, as botinhas a ranger na gravilha.
Ajax virou a cabeça, o rosnado aprofundando-se num som gutural. A corrente estalou de novo.
Ainda assim, ela continuou — calma, sem pressa, os olhos fixos nele.
Então, algo estranho aconteceu.
Ajax parou.
O rosnado calou-se. As orelhas moveram-se. O corpo manteve-se tenso, mas os olhos — aqueles olhos amarelos e selvagens — suavizaram, ligeiramente.
A menina ajoelhou-se a poucos metros, sem estender a mão. A voz era pequena, um tremor quase impercetível.
“Olá, Ajax”, sussurrou. “Acho que… conhecias o meu pai.”
O pátio ficou em silêncio absoluto.
O chefe deu um passo à frente, perplexo.
A menina ergueu a medalha, mostrando-a entre os dedos. “Ele usava isto quando voltou da última missão”, disse baixinho. “Falava sempre de ti. Dizia que lhe salvaste a vida na Guiné.”
Os agentes trocaram olhares atónitos.
A cauda de Ajax contraiu-se ligeiramente. Baixou a cabeça, farejou o ar e soltou um ganido baixo, incerto — um som que partiu algo em quem observava.
A menina aproximou-se mais um passo. Lágrimas brilhavam-lhe nos olhos.
“Ele dizia que eras o soldado mais corajoso que conheceu”, disse. “Que nunca o abandonaste — nem uma vez.”
A respiração de Ajax mudou. Tornou-se mais lenta. O corpo tremia, mas a fúria desaparecera. Deu um passo na sua direção. Depois outro. E, como se o peso de meses de dor lhe esmagasse as defesas, colapsou contra ela, apoiando a cabeça no seu joelho.
As mãozinhas da menina tremeram ao tocá-lo — primeiro a orelha, depois o pescoço. O grande cão choramingou, enterrando o focinho no seu casaco como uma criança à procura de abrigo.
“Está tudo bem agora”, sussurrou, as lágrimas a caírem no seu pelo. “Fizeste muito bem, Ajax. Podes descansar.”
Ninguém no pátio se mexeu.
Um agente mais novo engoliu em seco. “Mas o que raio acabou de acontecer?”
A voz do chefe partiu-se ao responder. “Ela lembrou-lheE assim, Ajax encontrou novamente um lar, onde o amor de uma criança curou as feridas que a guerra deixara.





