**Capítulo 1: A Última Especialista**
O silêncio na mansão dos Albuquerque não era pacífico. Era uma coisa pesada e fria, tão densa e sufocante quanto as cortinas de veludo que bloqueavam o sol do Alentejo. Para Artur Albuquerque, 65 anos, o silêncio era fracasso. Era um problema que não podia demitir, uma negociação que não podia vencer, um livro contábil que nunca fechava. E, há dois anos, esse fracasso tinha a forma do seu neto.
Leandro tinha dez anos. Não proferira uma única palavra desde o dia em que vira sua mãe, a única filha de Artur, desabar sobre o mármore polido da entrada. Um aneurisma súbito e silencioso. Um instante, ela estava ali, rindo enquanto calçava as luvas de jardinagem; no seguinte, virara um problema para o médico-legista. Leandro estivera segurando sua mão.
Agora, Artur sentava-se em seu escritório forrado de couro, o cheiro de livros antigos e dinheiro ainda mais antigo no ar, ouvindo o último especialista arrumar sua mala.
“Sr. Albuquerque”, disse o Dr. Lopes, fechando a pasta com um estalo que ecoou como um tiro naquele quarto de túmulo. “Sou, antes de tudo, um homem da ciência. E a ciência exige uma variável. Um dado a ser medido. Seu neto… ele não oferece nada.”
As mãos de Artur, entrelaçadas sobre a mesa de mogno, apertaram-se. Os nós dos dedos branquearam. “Ele é um menino de dez anos, doutor. Não um experimento.”
O Dr. Lopes, um homem magro com paciência ainda mais escassa, suspirou. “Ele é um caso de mutismo seletivo profundo, desencadeado por trauma agudo. Tentamos terapia cognitiva, arte, música. Trouxemos um golden retriever, pelo amor de Deus. Ele acariciou o cão, mas não lhe dirigiu uma palavra. Está trancado. Ou, melhor dizendo, trancou-nos do lado de fora.”
“Então está desistindo”, Artur declarou. Não era uma pergunta.
“Estou encaminhando”, o médico corrigiu, deslizando um folheto brilhante sobre a mesa. “O Instituto Vale das Fontes. É uma clínica residencial. Eles estão… equipados para casos assim. Longo prazo.”
Artur olhou para o folheto. Um prédio estéril em um jardim impecável. Parecia uma prisão para ricos. Sentiu a raiva familiar queimar em seu peito. Construíra um império do nada, dobrara mercados e concorrentes, mas não conseguia arrancar uma única palavra de uma criança.
“Ele é o último da minha linhagem, doutor”, Artur disse, a voz baixa como um rugido. “Não é ‘um caso’. É um Albuquerque. Não será enviado como um… móvel incômodo.”
“Como desejar.” Dr. Lopes não pestanejou. Afinal, era caríssimo, e a falta de delicadeza fazia parte de sua marca. “Mas minha fatura, e minha opinião profissional, seguem firmes. Está tratando uma fortaleza psicológica com um estilingue. Precisa de outra abordagem. Ou precisa se render. Boa tarde.”
Artur não o viu sair. Ouviu os passos do homem ecoarem no mármore, o mesmo mármore onde Amélia caíra. Olhou pela janela de vitral, para os jardins.
E lá, como sempre, estava Leandro.
O menino estava à beira do jardim formal. Ou o que restara dele. Fora a paixão de Amélia. Agora, era um esqueleto. Sebes ressequidas, canteiros invadidos por mato, um bebedouro de pássaros em ruínas. Um reflexo perfeito do silêncio dentro da casa. Leandro apenas estava ali, uma figura pequena e imóvel naquele vasto cenário morto. Não brincava. Não explorava. Apenas… observava. Esperava.
O interfone de Artur tocou. Ele apertou o botão. “O quê?”
Era Dona Margarida, a governanta, a voz trêmula. Estivera com a família desde antes de Amélia nascer. “Senhor… com o Dr. Lopes indo embora… o que faremos? O menino… ele precisa de alguém.”
“Pago-lhe para gerir a equipe, Dona Margarida, não para dizer o óbvio”, Artur rosnou.
Teve uma pausa. Depois, numa voz pequena e corajosa, ela disse: “A agência não tem mais ninguém, senhor. Ninguém… qualificado. Todos já tentaram.”
“Então encontrem alguém não qualificado! Não me importo! Apenas arranjem um corpo. Uma babá. Alguém para evitar que ele vá para a rua.” Artur já pegava o telefone para chamar seus advogados. O Instituto Vale das Fontes não levaria seu neto sem luta.
“Há… uma pessoa”, Dona Margarida arriscou. “Estava no arquivo ‘doméstico’, não no ‘médico’. As referências são… estranhas, senhor. São boas, mas… ela não é enfermeira. Trabalhou em cuidados paliativos. E antes disso…”
“Chegue ao ponto, mulher!”
“O nome dela é Elvira Monteiro. As referências dizem que ela tem um… dom para ‘cuidar’. Uma carta dizia: ‘Ela ficou com minha mãe até o fim. Não falou muito, mas o quarto parecia… vivo.’ E sua experiência principal, antes dos paliativos… era como jardineira mestra.”
Artur parou. Olhou novamente para a janela. Para o jardim morto. Para o menino silencioso. Uma risada amarga escapou-lhe. Uma jardineira. Que absurdo perfeito.
“Está bem”, cuspiu, a palavra carregada de sarcasmo. “Contrate a jardineira. Talvez ela converse com as ervas daninhas. É mais do que obtivemos do menino.”
Dois dias depois, Elvira Monteiro chegou. Não veio num sedã modesto como os médicos. Veio numa caminhonete azul desbotada, com dois grandes vasos de barro na carroceria. Estava na casa dos sessenta, como Artur, mas onde ele eram arestas afiadas e ternos impecáveis, ela era curvas suaves e praticidade. Sapatos resistentes, saia simples, um casaquinho de tricô. As mãos, quando apertaram as dele, não eram macias. Eram fortes, unhas curtas, a pele marcada por calos e vestígios de terra.
Artur levou-a à biblioteca. Leandro estava lá, sentado numa poltrona, os pés sem tocar o chão, um livro aberto no colo. Não virava uma página em uma hora.
“Este é o menino. Leandro”, Artur disse, como se apresentasse uma propriedade. “Ele não fala.”
Elvira olhou para Leandro. Não se aproximou com um sorriso falso e brilhante como os terapeutas. Não fez voz de bebê para ele. Simplesmente ficou parada, a alguns passos, e encontrou o olhar do menino. Os olhos de Leandro, normalmente vazios e distantes, cintilaram com… algo. Curiosidade.
Elvira acenou com a cabeça, um pequeno e simples reconhecimento entre duas pessoas.
Depois, desviou o olhar do menino para a grande janela atrás dele. A janela que dava para o jardim morto.
Estudou-o por um longo momento. Artur pigarreou, impaciente. “Então? Qual o seu plano? Mais arte? Mais… cães?”
Elvira não se virou. Sua voz, quando finalmente falou, era baixa e com um traço de sotaque que ele não identificou. “O quarto não tem ar, Sr. Albuquerque.”
“Temos um sistema de ar-condicionado de última geração.”
Ela virou-se para ele, os olhos escuros e pacientes. “Não. Não tem ar. E aquilo…” — apontou para o jardim morto — “…é o motivo. Uma criança nãoE quando a primeira rosa desabrochou, perfumando o ar com sua doçura, Artur finalmente entendeu que as palavras mais profundas podem ser ditas em silêncio, desde que tenham um lugar para crescer.





