O quadragésimo quinto andar. A cidade estende-se além do vidro, banhada pela luz dourada do entardecer. Lá embaixo, o burburinho da vida—sonhos, desilusões, esperanças perdidas. Aqui, no alto, num escritório de madeira escura e detalhes cromados, reina o silêncio. Um silêncio pesado, intoxicado pelo sucesso.
Diogo estava junto à janela, as mãos nos bolsos, o olhar perdido entre o céu e o asfalto. A cidade era seu reino. Tudo à sua volta—fruto de vinte anos de trabalho, noites em claro, decisões impiedosas. Tinha tudo: milhões no banco, um império empresarial, um apartamento com vista para o Tejo como troféu. E até uma noiva—Catarina, de traços perfeitos, corpo impecável e uma vacuidade que doía.
O relacionamento deles? Não era amor. Nem paixão. Era uma exposição. Um projeto chamado “A Vida do Homem Bem-Sucedido”. Fotos impecáveis no Instagram, jantares de gala, diamantes, festas, bajulação. Tudo no mais alto nível. Mas dentro—um vazio. Árido, estridente, um tédio que consumia. Como se já tivesse vivido tudo e agora apenas repetisse o roteiro.
Foi então, no momento em que a alma parecia prestes a se render, que o telefone tocou.
Não era do trabalho. Era pessoal. Um toque que só três pessoas no mundo conheciam.
No visor: “André Sousa”.
Diogo não o via há quinze anos. Quinze anos desde que saíram da escola, cada um para um lado. Alguns rumo aos sonhos, outros à sobrevivência. E ele, Diogo, rumo ao poder.
— Alô? — respondeu, disfarçando a emoção.
— Diogo! Sou eu, o Sousa! — a voz de André atravessou o tempo como um vento fresco. Alegre, vivo, real. — A turma vai se reunir. Vinte anos, Diogo! Vinte! Vens?
De repente, como se alguém acendesse a luz num quarto escuro, algo dentro dele estremeceu. Não era alegria. Nem saudade. Era angústia. Saudade do que era simples, verdadeiro. Das pessoas que o conheciam antes dos rankings empresariais—que sabiam como ele chorou quando o cão morreu, ou como mentiu à professora para salvar o melhor amigo.
Falaram por dez minutos. Soube que a quieta Ana, agora mãe de cinco, vivia nos arredores de Lisboa e fazia bolos tão bons que vinham gente de longe. Mas de Leonor—a paixão da turma, a inteligente, a bela de olhos tristes e uma perna mais curta—ninguém sabia.
Diogo desligou. Pela primeira vez em anos, sentiu desejo. Desejo de vê-los. Não para ostentar. Apenas… para lembrar quem ele realmente era.
Decidiu levar Catarina. Que vissem a rainha que conquistara. O pensamento era mesquinho, mas genuíno. Sorriu e partiu.
O táxi deslizava pela noite enquanto ele ensaiava a cena: a porta, o abraço, o vestido caro, os planos para ofuscar todas.
Mas a realidade não segue roteiros.
Abriu a porta com sua chave. E viu—tênis baratos, tamanho 43, largados como lixo.
O coração apertou. Não de ciúme. De decepção.
Silêncio. Até que ouviu—risadas do quarto. Dela, afetada. E dele, satisfeito.
Empurrou a porta.
Nas sedas que escolhera em Milão, Catarina estava nos braços de um rapaz—jovem, estúpido, com o rosto distorcido pelo medo.
Ela gritou. Puxou o lençol. — Diogo! Não é o que pensas! Ele… ele obrigou-me!
Ele riu. Não com raiva. Apenas libertou a dor, a farsa, a mentira.
Esperava gritos. Destruição. Mas só sentiu frieza. Como se todas as emoções tivessem escoado.
— Obrigou? — olhou para o amante trêmulo. — Com uma arma? Ou prometeu não curtir tua foto?
Passou os olhos pela roupa espalhada, o copo derrubado, os rostos perplexos. E falou, frio como uma sentença:
— Acabou. Em três dias, o aluguel vence. Espero que teu “herói” pague.
Saiu. Sem olhar para trás.
No elevador, bloqueou o cartão dela no celular.
O táxi partiu, mas ele não foi para casa. Apenas seguiu, sem destino. Longe da farsa.
Parou no primeiro restaurante chique—”O Nacional”. Cristais, luzes, um porteiro de libré.
— Whisky. Duplo. E a garrafa. — desabou numa mesa.
Bebeu. Sem comer. A dor não sumiu, mas entorpeceu. Como se já não fosse homem, só uma estátua de seu próprio fracasso.
Uma hora depois, foi ao banheiro. Num corredor de serviço, viu o inferno.
Dois garçons zombavam de uma mulher—de avental, lenço na cabeça, arrastando a perna enquanto limpava.
— Anda, tartaruga! Os clientes vão pisar nisso! — riam.
Algo em Diogo estalou.
Não raiva. Justiça. Algo há muito esquecido sob camadas de pragmatismo.
Aproximou-se.
— Calem a boca. — voz gelada. — Mais uma palavra e amanhã estarão a limpar o Terreiro do Paço. Entendido?
Empalideceram. Acenaram.
Ele voltou-se para a mulher. Ela tentava erguer o balde.
— Deixe-me ajudar. — estendeu a mão.
Ela ergueu o rosto.
E o mundo parou.
Olhos cinza. Cansados. Cheios de dor.
Leonor.
A Leonor desaparecida.
— Leonor? — sussurrou.
Ela tentou esconder-se, mas ele segurou-lhe o braço.
— Rápido! — ordenou aos garçons. — Preparem outro lugar à minha mesa! E tragam jantar para dois!
Puxou-a para o salão, ignorando os protestos.
Sentaram-se frente a frente. Um violino tocava algo melancólico.
— Tira o lenço. — voz suave.
Ela obedeceu. O cabelo castanho caiu sobre os ombros. O rosto, marcado, mas ainda belo.
— Não mudaste nada. — disse ele.
— Mentirosa. — sorriu amarga. — Mudei demais.
E contou. Voz quebrada por lágrimas.
Arquitetura. Talentosa. Primeiros clientes. Sonhos. Depois, a perna. Os que a olhavam com pena. Um cliente rico: “Como alguém defeituoso pode falar de harmonia?” Carreira arruinada.
Amor? Um homem que a chamou de “coxinha” numa festa. Vergonha. Desapareceu. Tornou-se invisível.
— Escondi-me. — sussurrou. — Ser faxineira é seguro. Ninguém te vê.
— E a cirurgia?
— Cara. Na Alemanha. Nunca terei esse dinheiro.
Ele olhou para ela e entendeu: sua traição era insignificante. A dela—o mundo inteiro lhe virara as costas.
Decidiu.
— Vamos. — levantou-se.
— Para onde?
— Para minha casa.
Pagou uma fortuna e levou-a.
Meia hora depois, estavam no apartamento—palácio de vidro e luz.
Ela parou, perdida no luxo.
— Leonor. — ele disse. — Casa comigo.
Ela engasgou.
— Estás bêbado.
— Nunca estive tão sóbrio. — respondeu. — Hoje perdi uma mulher que não precisava. E encontrei aEle olhou-a nos olhos e completou: — E agora, vamos viver a história que o destino tentou nos roubar.





