Rico finge ser pobre em busca de amor verdadeiro6 min de lectura

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“Vamos, Matias, já estás atrasado.” Sebastião Montenegro corre pelos corredores da mansão à procura de roupa velha. Matias, de 8 anos, aparece carregando uma camiseta rasgada. “Pai, ele vai mesmo funcionar?” “Claro que sim, filho. Hoje vamos descobrir quem tem coração de verdade.” “Mas por que não podemos ir com roupa normal?” “Porque quando as pessoas nos vêem bem vestidos, agem de maneira diferente.”

Hoje vamos ver quem ajuda de verdade. Sebastião pega terra do jardim e se suja. Matias ri enquanto o pai desarruma o cabelo dos dois. “Pronto, agora sim. Ninguém vai nos reconhecer.” Pegam o carro mais simples da garagem e vão para a Praça do Comércio. Sebastião escolhe um cantinho na calçada perto da saída do metro.

“Lembras-te do plano? Estamos com fome e não temos onde dormir.” As primeiras pessoas passam apressadas. Uma mulher de salto alto vira o rosto para o lado. Um homem de terno atira uma moeda sem parar. Passa uma hora. Matias desanima. “Pai, as pessoas são muito más.” “Não, filho, é que todos estão com pressa, mas vamos encontrar alguém especial.” Passa mais uma hora.

Várias pessoas atiram moedas sem olhar, outras fingem que não os veem. Matias já está triste quando uma mulher para na frente deles. É jovem, com uns vinte e poucos anos, uniforme de limpeza azul e sapatos gastos. O rosto está cansado, mas os olhos são ternos.

“Têm fome?” Sebastião e Matias surpreendem-se. É a primeira pessoa que realmente para para conversar. A mulher agacha-se até ficar à altura dos dois, sem se importar que a calça vá sujar no chão. “Esperem um pouco.” Abre uma bolsinha desgastada e conta moedas e notas amassadas. “280 euros é tudo o que tenho para os próximos dois dias.” Mas olha para Matias com carinho. “As crianças não podem ficar com fome.” Matias sussurra no ouvido do pai: “Ela é igual à minha mãe do céu.” Sebastião sente um nó na garganta. Esta mulher acaba de dar todo o seu dinheiro a desconhecidos. “Muito obrigado, senhora. Como se chama?” “Esperança. Esperança Silva.”

“E vocês?” “Eu sou Ricardo e este é Matias.” Esperança sorri para o menino. “Olá, Matias. Quantos anos tens?” “Oito, tia Esperança.” “Ai, que menino tão educado.” Há uma padaria ali na esquina. Compra algo para o Matias comer.” “Sim.” Levanta-se, arrumando a bolsa. “E a senhora, não vai almoçar?” Esperança encolhe os ombros. “Ai, eu me viro como puder. O importante é que o menino não fique com fome. Tenho que voltar ao trabalho, se não a minha chefe mata-me.” Sebastião não acredita. Não só deu todo o seu dinheiro, como prometeu voltar. “Muitíssimo obrigado, Dona Esperança. A senhora é um anjo.” “Ai, não fale assim. Só fiz o que qualquer pessoa faria. Um ajuda quem pode, não é?” Esperança entra no prédio comercial, acenando com a mão. Sebastião puxa Matias. “Vamos, temos que nos trocar rápido.” No carro, vestem roupa limpa. Em 5 minutos já estão normais, sem um pingo de sujeira. “Vamos entrar onde ela trabalha. Quero ver que tipo de pessoa ela é quando não está ajudando mendigos.”

Na portaria, Sebastião pergunta onde fica a empresa de limpeza. “Terceiro andar, mas agora estão a trabalhar.” “Só uma perguntinha rápida.” Lá em cima encontram Esperança a conversar com um guarda grande e sério. “Por favor, Sr. António, não os expulse. Era um pai com o filhinho. Coitadinhos. O menino é pequenino.”

“Esperança, sabes que é ordem da administração. Os mendigos afastam os clientes.” “Eu sei, eu sei, mas quando sair, vou ajudá-los a encontrar onde dormir, só não os expulse agora. E se o administrador os vê, perco o emprego.” “Eu assumo a responsabilidade. Se alguém reclamar, digo que eu pedi para deixá-los.” Sebastião e Matias ouvem, escondidos atrás de uma coluna.

“Deste-lhes dinheiro, não foi?” “Sim. Todo o dinheiro para o meu almoço dos próximos dois dias. Mas o que ia fazer? O menino tinha cara de não comer há muito tempo.” “Esperança, és demasiado boa. Quase não tens dinheiro para ti.” “Se um não ajuda quando pode, quem vai ajudar?” O guarda suspira. “Está bem. Deixo-os ficar até saíres, mas se alguém reclamar, eu trato disso.” “Obrigada, Sr. António. O senhor tem um coração muito bom.” Esperança volta ao trabalho, empurrando um carrinho de limpeza. Sebastião observa-a a trabalhar, limpando cada mesa com cuidado, arrumando tudo com muito respeito. Matias puxa a manga do pai. “Pai, estás a chorar?” Sebastião passa a mão pelos olhos. “É que já a encontramos, filho, a pessoa que estávamos a procurar.”

Às 6 em ponto, Esperança sai do elevador. Está mais cansada, com o uniforme suado e os pés a doer. Mesmo assim, pára na portaria. “Sr. António, ainda estão lá fora?” “Sim estão. O pai mandou agradecer. Já conseguiram comprar comida para o menino.” “Que bom. Vou passar por lá antes de ir para casa.” Esperança sai e procura Sebastião e Matias. Não os encontra no lugar da manhã e preocupa-se. Sebastião toma uma decisão rápida. “Matias, vem. Vamos falar com ela.” Aproximam-se. Esperança vira-se, surpresa. “Oh, que diferença. Já estão limpos, com roupa boa.” “Conseguimos tomar banho em algum sítio?” Sebastião mente, sentindo-se horrível. “Que bom.” “Já compraram comida para o Matias?” “Já comprámos. O menino comeu muito bem.” Matias olha confuso com todas as mentiras, mas fica caladinho. “Fico muito contente. E agora já têm onde dormir hoje?” “Ainda estamos meio perdidos. Sou de Braga. Vim procurar trabalho. O meu nome é Ricardo Sousa. Sou vendedor, mas já estou há vários meses sem trabalho.” Esperança abana a cabeça. “Está muito difícil. Mais ainda com criança. Têm algum sítio para ficar hoje?” “Para ser sincero, não. Estávamos a ver se conseguíamos lugar num abrigo.”

“Olha, não tenho muito espaço lá em casa, mas há um sofá na sala. Se quiserem, podem ficar a dormir lá hoje. Amanhã já vemos como fazemos.” Sebastião fica pasmado. Esta mulher está a oferecer a própria casa a desconhecidos. “Tem a certeza? Não queremos incomodar.” “Um ajuda quem pode, e o Matias é muito educado, não vai dar trabalho.” Matias sorri. “Tia Esperança, a senhora é muito boa.” “Ai, que fofo. Gostas de desenhos animados, Matias?” “Gosto, principalmente do Homem-Aranha.” “Que fixe. Tenho televisão por cabo em casa. Podes ver enquanto lhes faço um jantarzinho.”

Sebastião lembra-se da promessa que fez à esposa há dois anos no hospital. Isabel pálida na cama, segurando-lhe a mão. “Sebastião, promete-me uma coisa. Encontra uma mãe de verdade para o Matias. Não uma mulher que queira o nosso dinheiro, uma mãe de verdade.” “Prometo, amor.” A memória passa rápido. Sebastião olha para Esperança a conversar com Matias sobre desenhos animados e sente que já encontrou o que estava a procurar.

“Dona Esperança, tem a certeza de que não vamos incomodar?” “Tenho a certezaE assim, sob o céu de Lisboa, a bondade de Esperança provou que o verdadeiro amor não conhece diferenças, mas apenas a pureza do coração.

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