Quando tudo parecia perdido, minha filha surpreendeu com um segredo que mudou tudo.

Diogo estava a enfiar roupa numa mala quando entrei no nosso quarto. Sem explicação, sem olhar nos meus olhos, apenas a fazer as malas como se a casa estivesse a arder. “O que estás a fazer?”, perguntei.

Ele nem sequer levantou os olhos. “O que devia ter feito há anos.”

As palavras dele atingiram-me como um murro. Vinte e dois anos de casamento, e era assim que acabava. “Diogo, para”, agarrei-lhe o braço, mas ele sacudiu-me. “Fala comigo. O que se passa?”

Finalmente, olhou para mim, e o que vi assustou-me: nada. Nada de culpa, nada de tristeza, apenas uma determinação fria. “Vou-me embora, Sara. Hoje.”

“Há outra pessoa?”, a pergunta escapou-me antes que pudesse pará-la.

Ele hesitou. “Isto não é sobre ninguém. É sobre eu precisar de respirar outra vez.”

Mas eu sabia. O telemóvel dele passara meses virado para baixo, as reuniões tardias que se prolongavam cada vez mais. Eu ignorara as suspeitas, mas agora gritavam dentro de mim.

“Preciso que transfiras metade da conta poupança para a minha conta pessoal”, disse, fechando a mala com decisão.

Foi aí que o pânico verdadeiro surgiu. O dinheiro. A poupança da faculdade da nossa filha, Leonor. Corri para baixo, os pés descalços a bater no chão de madeira. Leonor olhou para mim, a cara de doze anos franzida de preocupação. “Mãe, o que se passa?”

“Nada, meu amor. O teu pai só vai fazer uma viagem.” A mentira sabia amarga.

Peguei no portátil e entrei na nossa conta bancária com dedos trémulos. Olhei para o ecrã em choque. A conta à ordem mostrava 230 euros. A conta poupança, zero. O fundo da universidade da Leonor—aquele que alimentámos durante doze anos, que devia ter 70 mil euros—mostrava zero.

“Não”, a palavra saiu como um sussurro. “Não, não, não.”

Atualizei a página. Os números continuavam os mesmos. Verifiquei o histórico. Três dias antes, enquanto eu estava no meu clube de leitura, Diogo transferira tudo. Não só a parte dele, não só o nosso dinheiro, mas o futuro da Leonor também.

O som de passos nas escadas fez-nos voltar-nos. Diogo apareceu, arrastando a mala. Passou por nós como se fôssemos móveis.

“É assim?”, encontrei a minha voz. “Vinte e dois anos, e vais-te embora assim?”

Ele parou, a mão na maçaneta. “Deixei-te uma mensagem a explicar tudo.”

“Não quero uma mensagem. Quero que olhes para a tua filha e expliques porque é que a estás a abandonar.”

Leonor levantou-se. Não chorou, não correu para ele. Apenas o observou com aqueles olhos inteligentes, tão parecidos com os dele.

Diogo olhou para ela talvez durante três segundos. “Vais entender quando fores mais velha”, disse. Depois olhou para mim. “Não compliques isto mais do que já é.” A porta fechou-se atrás dele com um clique suave.

“Ele vai voltar?”, perguntou Leonor.

Quis mentir, mas ela já sabia a resposta. “Acho que não, minha querida.”

Ela anuiu, a processar. “Ele levou o nosso dinheiro?”, a pergunta apanhou-me desprevenida. Como é que ela sabia?

“Parte dele”, respondi com cuidado.

“O meu fundo da faculdade também?”

Limitei-me a anuir. Leonor pegou na tigela de cereais, levou-a ao lava-louças, enxaguou-a e guardou-a. Depois virou-se para mim com uma expressão que nunca vira no seu rosto jovem. “Mãe, não te preocupes”, disse. “Eu tratei disto.”

A casa parecia diferente naquela primeira semana sem Diogo. Leonor, porém, movia-se pelo nosso mundo desfeito como se nada tivesse mudado. Todas as manhãs às 7h15, aparecia na cozinha, vestida, mochila arrumada. Beijava-me a face e dizia: “Bom dia, Mãe.”

Era perturbador. Uma noite, estava ao telefone com a minha irmã, Joana. Enquanto discava, ouvia Leonor lá em cima, o clique rápido do teclado. Assumi que estivesse a falar com amigos. Depois de desligar, fiz o jantar favorito dela. Bati à porta. “Entra”, chamou.

Leonor estava à secretária, o ecrã do portátil virado para longe. Fechou-o rapidamente quando entrei. “Trouxe-te comida, querida.”

“Obrigada, Mãe.” Enquanto colocava o tabuleiro na mesinha-de-cabeceira, olhei para a secretária. Papéis espalhados, livros, e uma impressão de emails, parcialmente escondida. Os nomes no topo fizeram-me gelar: Diogo e Raquel. As minhas mãos tremeram ao puxar o papel. As mensagens eram de há três semanas, a discutir encontros, reservas de hotel, e “lidar com a Sara.”

“Mãe”, a voz da Leonor à porta fez-me saltar. Ela estava ali, com o prato vazio, os olhos calmos e calculistas.

“Leonor, de onde veio isto?”

Ela pousou o prato e fechou a porta. “O pai não é muito bom com palavras-passe.”

“Há quanto tempo sabes da Raquel?”

“Seis semanas. Sobre o dinheiro, descobri no dia antes de ele ir embora.”

Seis semanas. Enquanto eu vivia na ignorância, a minha filha carregava este segredo. Senti-me enjoada. “Porque não me contaste?”

“Queria ter a certeza”, disse, parecendo mais os seus doze anos. “E queria descobrir o que fazer.”

“Querida, isto não é responsabilidade tua.”

“É, sim”, a voz estava firme. “Ele roubou o meu fundo da faculdade. Mentiu-nos a ambas. Alguém tinha de fazer algo.”

Olhei em redor do quarto dela com novos olhos. “O que mais sabes?”

Leonor levantou-se e tirou um caderno debaixo do colchão. As páginas estavam cheias de notas, capturas de ecrã, e informações de contas. A minha filha estivera a vigiar o próprio pai.

“O pai acha-se esperto, mas é descuidado”, explicou. “Usa a mesma palavra-passe para tudo. Não limpa o histórico.”

“Leonor, isto… invadir contas… não é legal.”

Ela olhou para mim, a expressão demasiado madura. “Roubar 70 mil euros também não.”

“Mostra-me tudo”, pedi.

Ela abriu o portátil e abriu uma pasta chamada “Projeto de Ciências.” Dentro estavam dezenas de subpastas: Extratos Bancários, Logs de Comunicação, Provas de Fraude.

“Começou com o segundo telemóvel do pai”, disse, abrindo uma pasta. O ecrã encheu-se de mensagens entre o meu marido e Raquel Sousa, uma colega do departamento de contabilidade. Planeavam um futuro juntos.

“E piora, Mãe”, clicou noutra pasta. “A Raquel anda a roubar dinheiro aos clientes há dois anos.” As provas eram esmagadoras: transferências, faturas falsas, extratos manipulados.

“Leonor, como conseguiste entrar nos sistemas deles?”

“A Raquel usa a mesma palavra-passe para tudo: Sousa2011. O apelido dela e o ano em que se formou. Encontrei no LinkedIn.” Leonor encolheu os ombros. “As pessoas são previsíveis.”

Outra pasta abriu-se, e o meu mundo voltou a virar-se. Extratos com o meu nome, de contas que nunca abri. Pedidos de crédito usando o número de contribuinte da Leonor.

“ME, quando os ventos da justiça sopraram mais forte, Diogo e Raquel aprenderam que nem todos os erros podem ser apagados com um simples pedido de desculpas.

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