Então, imagina só a cena: a minha família desatou a rir quando apareci sozinha no casamento da minha irmã. “Nem uma date conseguiu arranjar,” berrou o meu pai, antes de me empurrar para a fonte. Os convidados até bateram palmas. Ensopada, sorri e disse: “Não se esqueçam deste momento.” Vinte minutos depois, o meu marido bilionário chegou e todos ficaram brancos que nem papel.
Tudo começou com um mergulho. Um mergulho humilhante e público. O meu próprio pai, no casamento da minha irmã, a empurrar-me para uma fonte. Água a escorrer do meu vestido de marca. A máscara de pestanas a escorrer-me pela cara. Mas, em vez de chorar, sorri. Um sorriso discreto, cheio de segredos. Porque, naquele momento, eles não faziam ideia de quem eu realmente era ou de com quem me tinha casado. Os murmúrios, as risadas, os dedos apontados—tudo isso estava prestes a calar-se para sempre.
Crescer na família rica dos Albuquerque no Porto era só aparências. A nossa moradia de cinco quartos na Foz gritava sucesso. Mas por trás daquelas portas perfeitas, as coisas eram diferentes. Desde que me lembro, era sempre comparada à minha irmã, Beatriz. Dois anos mais nova, mas sempre a estrela. “Porque é que não podes ser mais como a tua irmã?” Era a banda sonora da minha infância, repetida vezes sem conta pelos meus pais, o Rodrigo e a Carla Albuquerque.
O meu pai, um advogado empresarial importante, preocupava-se mais com as aparências do que com tudo o resto. A minha mãe, uma ex-miss que se tornou socialite, nunca perdia uma oportunidade para me dizer que eu não era suficiente. Eu chegava a casa com notas máximas, e a Beatriz tinha notas máximas mais atividades extracurriculares. Eu ganhava o segundo lugar num concurso de ciências, e isso era ofuscado pelo recital de dança da Beatriz. Era uma tortura sem fim.
“Laura, endireita as costas. Ninguém te leva a sério com essa postura,” repreendia a minha mãe quando eu tinha só doze anos. “A Beatriz tem graça natural,” acrescentava, com orgulho, pousando uma mão no ombro da minha irmã. “Tu tens de te esforçar mais.”
No meu décimo sexto aniversário, o meu pai ergueu um copo. Lembro-me da expectativa, a pensar: “Talvez desta vez seja para mim.” Em vez disso, anunciou que a Beatriz tinha sido aceite num programa de verão de elite na Universidade de Coimbra. O meu bolo de aniversário ficou esquecido na cozinha.
A universidade não trouxe alívio. Enquanto eu estava na Universidade do Porto, com um part-time e uma média de 19 valores, os meus pais mal apareciam aos meus eventos, mas atravessavam o país para cada apresentação da Beatriz no Conservatório. Na minha própria formatura, o primeiro comentário da minha mãe foi sobre a minha escolha sensata de carreira em direito penal. “Ao menos estás a ser realista quanto às tuas perspetivas,” disse, com um sorriso apertado. Enquanto isso, o curso de artes da Beatriz era elogiado como “seguir a paixão”.
Esses cortes de papel continuaram na idade adulta. Cada feriado em família era um teste de resistência. Cada conquista minimizada, cada falha ampliada. Foi durante o meu segundo ano na Academia da Polícia Judiciária que algo mudou. Decidi criar distância emocional. Parei de partilhar detalhes da minha vida. Recusei convites para festas. Construí muros mais altos do que a nossa casa.
A ironia? A minha carreira descolava. Encontrei a minha vocação em contraespionagem, subindo rapidamente na hierarquia com uma combinação de habilidades analíticas afiadas e determinação implacável. Aos 29 anos, liderava operações especializadas das quais a minha família não sabia nada.
Foi num desses casos internacionais complexos que conheci o André Silva. Não em trabalho, como seria de esperar, mas numa conferência de cibersegurança onde representava a Judiciária. O André não era um empresário qualquer. Tinha construído a Silva Tech a partir do quarto da universidade, transformando-a num império de segurança global avaliado em milhares de milhões. Os seus sistemas protegiam governos e empresas de ameaças emergentes.
A nossa ligação foi instantânea, inesperada. Ali estava alguém que me via verdadeiramente, sem a distorção da minha história familiar. O nosso namoro foi intenso, espremido entre as minhas operações classificadas e o seu império empresarial global.
“Nunca conheci ninguém como tu,” disse-me o André no nosso terceiro encontro, a caminhar pela marginal à meia-noite. “És extraordinária, Laura. Espero que saibas disso.” Essas palavras, simples mas sinceras, valeram mais do que qualquer validação que tivesse recebido em décadas de vida familiar.
Casaram-se dezoito meses depois numa cerimónia íntima com apenas duas testemunhas—o meu colega mais próximo, o Marco, e a irmã do André, a Inês. Manter o nosso casamento em privado não era só uma questão de segurança, embora isso fosse uma preocupação real. Era a minha escolha para manter esta parte preciosa da minha vida sem a toxicidade da minha família. Durante três anos, construímos a nossa vida juntos, mantendo identidades públicas separadas. O André viajava constantemente, e a minha posição na Judiciária tornou-se mais importante até à minha nomeação como a subdiretora mais jovem de sempre das operações de contraespionagem.
O que me leva de volta ao casamento da minha irmã. O convite chegou seis meses antes, em papel dourado, cheio de presunção. A Beatriz ia casar com o Duarte Sousa Monteiro, herdeiro de uma fortuna bancária. O evento prometia ser exatamente o tipo de exibição excessiva que os meus pais adoravam.
O André estava marcado para estar em Tóquio a fechar um contrato importante. “Posso remarcar,” ofereceu, vendo a minha hesitação.
“Não,” insisti. “Isto é mais importante para a Silva Tech. Eu aguento uma tarde sozinha.”
“Vou tentar chegar a tempo da receção,” prometeu. “Mesmo que seja só no final.”
E assim, lá estava eu, a conduzir sozinha até ao Palácio do Bolhão, o estômago em nós a cada quilómetro. Não via a maioria da família há quase dois anos. O meu Audi preto, um dos poucos luxos que me permitia, parou à entrada. Verifiquei o meu reflexo no espelho—vestido verde-esmeralda elegante, brincos de diamantes discretos, uma prenda do André, cabelo num coque clássico. Parecia bem-sucedida, confiante, intocável. Se ao menos me sentisse assim por dentro.
O salão do Palácio do Bolhão estava transformado num jardim de flores para o grande dia da Beatriz. Orquídeas e rosas brancas desciam dos candeeiros de cristal. Era exatamente o tipo de exibição que os meus pais sempre sonharam.
Entreguei o meu convite ao porteiro, que consultou a lista com uma ligeira franzida de sobrancelha. “Menina Albuquerque, tem lugar na mesa dezanove.” Claro que não era a mesa da família. Anuí educadamente, percebendo logo o jogo.
A minha prima Sara reparou em mim primeiro, os olhos a arregalarem-se antes de se fixarem num sorriso treinado. “Laura, que surpresa. Não estávamos certos de que virias.” O olhar dela escorregou para o meu lado vazio. “E vieste sozinha?”
“Vim,” respondi simplesmente, sem explicações.
“Que coragem,” disse com uma simpatia falsa. “Depois do que aconteceu com aquele professor com quem andavas—qual era o nome? A mãe diz que foi devastador quando ele te deixou pela assistente dele.”
Uma invenção completa. Nunca tinha namorado com nenhum professor, muito menos sido troE foi nesse momento, com o meu vestido ainda a pingar e o coração leve, que percebi que finalmente tinha encontrado a minha verdadeira família—não no sangue, mas nas pessoas que me escolheram, tal como eu as escolhi a elas.





