**A Noiva do Mendigo**
Num pacato vilarejo entre colinas verdejantes, vivia uma jovem chamada Beatriz. Dezenove anos, bela como um pêssego ao sol, com olhos doces e voz suave. Mas a beleza não era sua bênção—era seu fardo. Órfã aos onze anos, num incêndio que levou os pais, Beatriz fora acolhida pelo tio, Artur Vaz, sua esposa, Dona Lurdes, e as duas filhas, Inês e Leonor. Sob seu teto, era mais criada que família. Todas as madrugadas, antes do sol nascer, buscava água, varria o terreiro e cozinhava. Seus dias eram preenchidos por tarefas e palavras cortantes.
“Beatriz, lava estes pratos agora!” berrava Dona Lurdes, mesmo que a moça tivesse acabado de preparar a refeição. “Achas que por seres bonita vais escapar daqui? Tola!” Mas Beatriz não respondia. Aprendeu que o silêncio era mais seguro; replicar significava dormir no quintal, e chorar trazia mais zombarias.
Apesar de tudo, Beatriz mantinha um coração gentil. Cumprimentava os idosos, ajudava as vendedoras do mercado e jamais ria do infortúnio alheio. Sua bondade silenciosa atraiu pretendentes—homens ricos da cidade, à procura de uma noiva do campo. Alguns vinham por Inês ou Leonor, mas, ao verem Beatriz, mudavam de ideia. “Quem é aquela moça de olhar sereno?” sussurrou um deles ao tio Artur, sem perceber que ela era sua sobrinha.
Naquela noite, a casa tornou-se um inferno. “Estás a ofuscar as tuas primas!” gritou Dona Lurdes, atirando os chinelos de Beatriz para fora. “Todos os homens chegam aqui e desistem delas. O que lhes fizeste?”
“Eu nem sequer lhes falo,” sussurrou Beatriz, lágrimas escorrendo.
“Cala-te!” rugiu Artur. “Não fiques aí como uma estátua. Quem te pediu opinião? Já que não te respeitas, garanto que nunca conhecerás o casamento. Caseiras até com um louco, se for preciso.” Deu-lhe um tapa, e, a partir daquele momento, tudo mudou. Beatriz foi proibida de comer com a família, banhava-se no tanque do quintal e as primas zombavam dela diante das visitas.
Num sábado, chegou um estranho. Trazia roupas empoeiradas, um cajado de madeira e um chapéu desgastado cobrindo o rosto. Parecia exausto, talvez ferido. A vizinhança observou quando ele entrou no terreiro de Artur. Falava pouco, apenas cochichava com o tio. Os olhos de Artur brilharam como se tivesse encontrado ouro.
“Estás a falar sério? Queres casar com ela?” perguntou Artur, fingindo sussurrar.
“Tenho o suficiente para quem é humilde,” respondeu o homem, voz calma e segura.
Aperto de mãos, negócio fechado. Naquela noite, Artur reuniu a família. “Beatriz, senta-te,” ordenou. “Arranjámos um marido para ti.”
Ela virou-se devagar. “Quem é ele?”
“Não precisas de perguntas. Ele aceita-te como és. Sem dote, sem nada. Leva essa tua beleza maldita e vai.”
Inês soltou uma risadinha. “Deixa-a perguntar. Quem sabe, espera o filho do dono da EDP.”
“Cale-se toda a gente!” Dona Lurdes interrompeu. “Estamos a fazer-lhe um favor. O casamento é em duas semanas.”
Beatriz não dormiu. Era esse o seu destino? Ser vendida a um estranho aleijado enquanto as primas viviam livres? No dia seguinte, viu-o novamente—o mendigo, sentado na praça a alimentar os pássaros. As roupas eram sujas, mas as mãos limpas, as unhas cortadas. A postura não era a de um pedinte.
“Boa tarde, senhor,” disse Beatriz, tímida.
Ele virou-se. “Beatriz,” murmurou. “Como estás?”
“Sabes o meu nome?”
“Ouvi-o quando o teu tio gritou ontem.”
Ela quase sorriu. “És o homem com quem vou casar.”
“Sim.”
Ela baixou os olhos. “Porquê eu?”
“Porque és diferente.”
Ela pestanejou. “Diferente como?”
Ele sorriu, mas não respondeu. Depois, ergueu-se, esticou as costas por um instante e pegou no cajado. “Até breve, Beatriz,” disse, afastando-se devagar.
Beatriz ficou ali por muito tempo. Naquela noite, as primas troçaram dela. “Ouvi dizer que falaste com o teu noivo mendigo,” gracejou Leonor. “Melhor habituares-te a folhas. Ele não tem dinheiro nem para lenços,” acrescentou Inês. Mas Beatriz não disse nada. Algo dentro dela começava a mudar. A vergonha ainda doía, mas uma paz estranha invadia-a, como se a vida estivesse prestes a transformar-se.
Os dias passaram rápido. Dona Lurdes tornou-lhe a vida um inferno. Nada escapava aos insultos, nem mesmo o modo como andava. “Endireita essa cerviz orgulhosa antes que o teu marido a quebre,” gritava.
Numa tarde, um grupo de mulheres passou por ela. “É aquela,” disse uma. “A que vai casar com o coxo.” Outra riu. “Pensou que a beleza a levaria longe. Agora olha para ela.” Beatriz continuou a varrer, as mãos ágeis, os olhos úmidos.
Mais tarde, Dona Lurdes atirou-lhe um vestido de renda rasgado. “É isto que vais usar no teu casamento.” Beatriz pediu para o consertar. “Para pareceres uma rainha ao lado do teu rei mendigo?” troçou Inês. “Não te preocupes. Ninguém vai olhar para ti—vão é rir-se quando ele tropeçar no altar.”
Naquela noite, Beatriz sentou-se sozinha atrás da casa. A lua estava minguante, as estrelas caladas. De repente, o mendigo apareceu ao seu lado.
“Não estás a dormir,” disse suavemente.
Ela virou-se, assustada. “O que fazes aqui?”
“Passava por perto. Vi-te sozinha.”
“Não devias estar aqui. Se o meu tio te visse—”
“Eu sei. Vou embora já. Só quis falar.”
“Falar do quê?”
Ele manteve distância. “De nós. Do casamento.”
Beatriz baixou o olhar. “O que há para dizer?”
“Sei que não é o que desejavas. Sei que não estás feliz.”
Ela não respondeu.
“Mas quero que saibas,” continuou ele, “não te forçarei a nada. Se quiseres ir embora depois do casamento, deixar-te-ei ir.”
Beatriz ergueu a cabeça devagar. “Por que dizes isso?”
“Porque não estou aqui para te punir. Apenas quis alguém que visse além da minha aparência, que me tratasse como um ser humano, não como objeto de pena.”
Ela pestanejou.
“Desde o primeiro dia em que te vi,” ele prosseguiu, “não te riste quando as crianças me gozavam. Não viraste a cara quando pedi água. Cumprimentaste-me com respeito.”
“Foi o que me ensinaram.”
Ele assentiu. “Por isso és diferente.”
Ela recuou, a voz a quebrar. “Mas não pedi por isto. Não pedi para ser casada à força, como um fardo.”
“Eu sei,” sussurrou ele. “E lamento.”
Ficaram em silêncio. Depois, ele inclinou-se levemente. “Boa noite, BeatrizNo dia seguinte, vestida com elegância e dignidade, Beatriz regressou à vila de cabeça erguida, e quando os olhos do tio Artur e da tia Lurdes se encontraram com os dela, ficaram imóveis, sem palavras, enquanto o vento soprava suave, levando consigo o passado e abrindo caminho para um futuro que, afinal, sempre lhe pertencera.