**Diário Pessoal**
Foi numa tarde de tempestade que tudo começou na mansão dos Sousa. Um grito frágil, quase desumano, ecoou pelo corredor, vindo do quarto de Beatriz, a única filha do milionário.
Carlos Sousa, um homem temido nos negócios, estava curvado sobre o berço, irreconhecível. Os médicos tinham acabado de dizer o que nenhum pai quer ouvir:
*“Três meses. Não há mais nada a fazer. A doença avançou demais.”*
Carlos destruiu a mesa da sala. Trouxera especialistas de França, Suíça, até do Japão—tudo o que o dinheiro podia comprar. A resposta era sempre a mesma: *“Não podemos fazer mais nada.”*
Mariana, a empregada que servia a família em silêncio há anos, entrou com voz trémula. *“Senhor… quer um chá?”*
Ele ergueu o rosto, os olhos inchados de tanto chorar. *“O chá não vai salvar a minha filha.”*
Pela primeira vez, Mariana viu a verdade: o homem mais rico do país era impotente.
Naquela noite, enquanto a mansão dormia, Mariana ficou acordada, embalando Beatriz nos braços. A bebê estava fria, mal respirava. Foi então que ela se lembrou.
Anos atrás, o seu irmão quase morrera de uma doença parecida. Os hospitais desistiram, os médicos recusaram-se a tratá-lo. Quem o salvou? Um velho doutor, renegado pela medicina moderna porque as farmacêuticas o odiavam. Seus métodos não eram *“legais”*… mas funcionaram.
Mariana hesitou. Se falasse, Carlos podia despedi-la. Ou pior—acusá-la de bruxaria. Mas ao ver Beatriz lutar por cada respiro, sabia que tinha de tentar.
No dia seguinte, Carlos estava cercado de advogados, já planejando testamentos e funerais. Mariana aproximou-se, trémula mas determinada.
*“Senhor… conheço alguém. Salvou o meu irmão. Não prometo milagres, mas…”*
Ele ergueu-se, furioso. *“FORA! Não compares a minha filha com curandeiros!”*
Mariana fugiu, mas não desistiu.
Três dias depois, Beatriz desmaiou de novo, pálida, a respirar com dificuldade. Carlos gritou com os médicos. *“Tem de haver solução!”*
Então, lembrou-se do olhar de Mariana—aterrorizado, mas sincero. Pela primeira vez, engoliu o orgulho.
*“Mariana… esse doutor ainda vive?”*
Ela assentiu. *“Mas não confiará em si. Odeia homens ricos. Arruinaram-lhe a vida.”*
Carlos apertou os punhos. *“Por favor… ajude-me a salvá-la.”*
A palavra *“por favor”* nunca lhe saíra da boca antes.
Mariana organizou tudo em segredo. De madrugada, envolveu Beatriz num cobertor e saiu pela porta dos fundos. Carlos seguiu-a, disfarçado—casaco com capuz, óculos escuros, um carro sem identificação.
Conduziram durante horas, até as montanhas, onde o GPS falhou e o cheiro a pinheiro enchia o ar. Chegaram a uma casinha de madeira. Um velho saiu, fitando Carlos com desdém.
*“Veio à procura de milagres? Não os encontrará aqui.”*
Mariana baixou a cabeça. *“Só queremos esperança.”*
O doutor examinou Beatriz, frágil e trémula, e suspirou.
*“É grave. Mas não impossível.”*
Carlos quase caiu de joelhos. *“Quanto custa? Pago qualquer coisa!”*
O velho bateu o cajado no chão. *“Aqui, o dinheiro não vale nada. Quero obediência. Silêncio. E verdade.”*
Carlos ficou rígido. *“Verdade?”*
*“A sua filha não precisa só de remédios. Precisa do que nunca lhe deu: amor incondicional.”*
Mariana desviou o olhar. Sabia que era verdade.
Mudaram-se para a cabana. O doutor trocou os medicamentos por chás de ervas, vapores, cantigas à noite—rituais que nenhum hospital aprovaria.
Mariana seguiu tudo à risca. Carlos, porém, teve dificuldades.
*“Desliguem os telemóveis. Nada de negócios. Só pai e filha.”*
Numa noite, às 3 da manhã, Beatriz começou a sufocar. Carlos entrou em pânico.
Mariana agarrou-lhe o braço. *“Fale com ela. Precisa de si.”*
Com lágrimas nos olhos, ele sussurrou: *“Perdoa-me, minha princesa. Devia ter estado aqui.”*
Naquele instante, os dedinhos de Beatriz apertaram os dele. A respiração acalmou.
O doutor observou. *“Isso… é medicina.”*
Duas semanas depois, Beatriz melhorou. Mas então, veio a febre—a pior de todas. Ela gritou, tremendo.
Carlos ajoelhou-se. *“Não… por favor…”*
O doutor trabalhou horas—ervas, óleos, cantigas. Mariana abraçou Beatriz e sussurrou: *“Luta, meu amor.”*
De manhã, a menina abriu os olhos. *“Papá… quero bolo…”*
Carlos chorou como nunca. O doutor afirmou: *“Ela viverá.”*
Depois, virou-se para Carlos. *“Agora, a verdade: ela sobreviveu não só por causa da medicina… mas porque a OMS estava com ela.”*
Olhou para Mariana.
Carlos pestanejou. *“O que quer dizer?”*
*“Carlos… Beatriz tem o seu sangue, mas o coração de Mariana. E isso importa mais do que imagina.”*
Mariana ficou pálida. *“Doutor, não—”*
O silêncio pesou.
*“Mariana não é só a ama. É a mulher que a sua filha vê como mãe.”*
Tudo fez sentido. O primeiro sorriso de Beatriz, as primeiras palavras, o conforto—sempre com Mariana.
Ao voltarem para a mansão, os médicos espantaram-se. *“Como é possível?”*
Carlos não respondeu. Despediu os médicos, triplicou o salário de Mariana e deu-lhe um quarto ao lado do de Beatriz.
No aniversário da menina, ela perguntou: *“Mãe… vou viver?”*
Mariana abraçou-a. *“Sim, meu amor. E serás amada.”*
Carlos envolveu-as num abraço, as lágrimas rolando livremente.
Finalmente, entendeu:
*A verdadeira fortuna não está no dinheiro, mas na vida que salvamos e em quem nos salva.*





