O sol da manhã erguia-se sobre Lisboa, banhando a cidade numa luz dourada. No seu quarto, Beatriz fitava-se no espelho, com o coração preso entre nervos e alegria. Parecia estar a entrar num sonho. O vestido—uma obra de arte bordada à mão—caía-lhe sobre o corpo como algo divino. O véu estava impecável, e o quarto cheirava a flores frescas, como se o próprio ar prometesse um conto de fadas. “Tudo vai correr bem”, murmurou para si mesma.
A melhor amiga, Inês, entrou a correr, levando duas taças de champanhe. “Hoje é o teu dia”, disse, entregando-lhe uma taça. “Não deixes que ninguém te tire isso.” As mãos trémulas de Beatriz acalmaram-se, mas a serenidade durou pouco.
A porta abriu-se, e Marta—a mãe de Guilherme—entrou com o seu habitual ar de superioridade. Vestida com um fato de designer impecável, o olhar crítico percorreu Beatriz dos pés à cabeça. “Foi isso que escolheste?”, disse com um sorriso cortante. “Esperava algo… mais apropriado.”
As palavras atingiram-na como golpes. Beatriz respirou fundo, mas Inês interveio rapidamente: “Ela está deslumbrante. Este vestido é alta-costura, não uma cópia de montra.” O rosto de Marta endureceu, e saiu em silêncio, deixando o quarto pesado de tensão.
No altar, Beatriz era a imagem da beleza, mas por dentro, a inquietação crescia. Guilherme mal a olhava. Durante os votos, a sua mão na dela era fria e indiferente. Na receção, ele olhava mais para o telemóvel do que para a nova esposa. Enquanto isso, Marta sussurrava comentários cruéis sobre a família de Beatriz. Guilherme limitava-se a rir fracamente ou a ficar em silêncio.
Veio o brinde. Marta, com uma taça de vinho na mão, pegou no microfone. O que começou como palavras corteses rapidamente se tornou afiado e cortante. “Guilherme, meu querido filho, desejo-te felicidade”, disse com doçura fingida. “Embora todos saibamos que alguns sonhos nem sempre acabam como esperamos.” O olhar gelado fixou-se em Beatriz.
O silêncio tornou-se sufocante. Inês quebrou-o com firmeza: “Guilherme, defende-a! Não vê o que a sua mãe está a fazer?”
Nesse momento, algo dentro de Guilherme estalou. O rosto escureceu, e antes que alguém pudesse reagir, ele virou-se para Beatriz. A mão levantou-se—e desceu numa bofetada. O som ecoou pela sala como um trovão. Os convidados suspiraram em choque.
O golpe em si não fora forte, mas a traição doeu mais do que qualquer coisa. A visão desfocou-se em lágrimas, o coração a desmoronar-se. Por um longo momento, o mundo pareceu parar.
Depois, Beatriz ergueu-se, a voz trémula mas firme: “Isto acabou.” Lentamente, tirou a aliança e deixou-a cair sobre a mesa. O tilintar do metal contra a madeira ecoou mais alto que a música, mais alto que os sussurros. Ergueu o queixo, com a dignidade intacta, e saiu.
À porta, Inês envolveu-a num abraço apertado enquanto Beatriz finalmente se desfez em lágrimas. “Isto não é o fim”, sussurrou Inês. “É o começo de algo melhor.”
Naquela noite, o pequeno apartamento de Inês tornou-se o refúgio de Beatriz. Enrolada no sofá com um cobertor, murmurou: “Como deixei chegar a este ponto?” O chá ficou intocado na mesa.
Inês apertou-lhe a mão. “Porque o amaste. Mas o amor não desculpa cobardia. Não és fraca, Beatriz. Amanhã, arrumamos as tuas coisas. Não tens de enfrentá-lo sozinha.”
Na manhã seguinte, Beatriz voltou ao apartamento que partilhava com Guilherme. Inês ia ao seu lado, e Diogo—o irmão mais velho—postava-se firme como um escudo. O plano era simples: pegar nos seus pertences e sair antes de Guilherme regressar.
Mas o destino interveio. A porta abriu-se com um estrondo, e Guilherme entrou, o rosto deformado pela raiva. “O que estás aqui a fazer?!”, gritou.
Diogo avançou, a voz firme. “Ela veio buscar as coisas dela. Deixa-nos acabar, e isto termina em paz.”
Guilherme ignorou-o, fitando Beatriz. “Foges como uma cobarde? Depois de tudo o que fiz por ti?”
O medo transformou-se em fúria. “Tudo o que fizeste? Deixaste a tua mãe humilhar-me. Bateu-me à frente de todos. Destruíste-nos, Guilherme—não eu.”
Ele avançou, mas a mão de Diogo bloqueou-o como ferro. “Não”, avisou, a voz perigosa. Guilherme recuou, afundando-se no sofá, murmurando palavras amargas. Beatriz não vacilou. Empacotou a última caixa, saiu, e respirou fundo—pela primeira vez, uma mulher livre.
Na casa de Diogo, Beatriz começou a reconstruir-se. Peça a peça, desembrulhava os seus pertences, cada gesto um passo para a cura. Inês encorajava-a: “Sempre sonhaste com o teu ateliê. Agora é a tua oportunidade.”
Pouco depois, Beatriz encontrou uma loja degradada numa rua tranquila de Lisboa. Para os outros, parecia um caos, mas para ela, era uma tela em branco. Com Diogo, Inês e alguns amigos, limpou o chão, pintou as paredes e pregou prateleiras até o espaço poeirento renascer. Batizou-o de Renascer.
Mas o passado recusava-se a ficar enterrado. Uma noite, um envelope deslizou por baixo da porta. Dentro, uma carta escrita por Marta: Nunca serás suficiente para o meu filho. Para de te humilhares e volta para onde pertences.
As mãos de Beatriz tremeram, mas não de medo. Rasgou a carta em pedaços. “Nunca mais”, afirmou com determinação.
Outras seguiram-se—notas anónimas, fotos do ateliê vandalizadas, até uma foto do casamento rasgada. O medo roía-a, mas a determinação queimava mais forte. Foi à polícia, que inicialmente ignorou as queixas. Só quando as câmaras capturaram um homem encapuzado à porta do ateliê as autoridades levaram-na a sério. Diogo insistiu em segurança privada.
Uma tarde, Guilherme apareceu no ateliê. Vestido com cuidado, mas com o rosto cansado. “Falhei contigo”, disse suavemente. “Por favor… quero reparar as coisas.”
Beatriz riu-se com amargura. “Reparar? Achas que palavras apagam a humilhação? As ameaças? A bofetada à frente de todos?”
Diogo saiu das traseiras, a voz dura: “Vai-te embora. Agora.”
Os olhos de Guilherme estreitaram-se. Ao sair, murmurou: “Isto não acabou.”
Dias depois, a própria Marta ligou a Beatriz. “Isto não é um pedido”, avisou friamente. “Nem eu nem o Guilherme deixamos as coisas assim. Vais arrepender-te de nos desafiares.”
Em vez de se esconder, Beatriz fez a jogada mais ousada: anunciou uma grande inauguração no ateliê. Se queriam intimidá-la, mostraria ao mundo que não tinha medo.
Na noite do evento, o ateliê pulsava com música, risadas e elogios. Amigos e clientes encheram o espaço. Beatriz sorria, radiante numE, enquanto o luar de Lisboa brilhava sobre ela, Beatriz soube que finalmente havia encontrado não apenas a liberdade, mas também a paz que merecia.





