O Motociclista que Protegeu uma Menina e Seu Cão Tremendo — e Comoveu Todos ao Redor6 min de lectura

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“Toca-lhe outra vez… e vais ter de lidar comigo.”

A voz do velho era áspera, trémula não de medo, mas do esforço de conter algo bem mais profundo, bem mais antigo.

Um motard ajoelha-se para proteger uma menina perdida e o seu cão assustado num beco cheio de gente, desencadeando uma série de eventos que parecem simples à primeira vista, mas que escondem uma verdade dolorosa o suficiente para calar uma rua inteira.

Era fim de tarde numa pequena cidade do interior português.
O crepúsculo dourado deslizava pelas paredes de tijolo rachado, transformando o beco estreito num corredor de luz desvanecente. O motard—um homem português de cabelos brancos, barba grisalha, jaqueta de couro preta gasto, botas pesadas—tinha acabado de descer da sua velha Harley. Uma rajada de vento agitou o lenço vermelho desbotado ao pescoço.

Foi então que a viu.
Uma menina, talvez com oito anos, cabelos loiros em caracóis desalinhados, faces sujas de terra, agarrando um cachorro castanho trémulo ao peito. Um círculo de adultos rodeava-a—metade aborrecidos, metade indiferentes, nenhum disposto a inclinar-se.

A menina soluçou:
“Por favor… não deixem que lhe façam mal.”

O motard não perguntou porquê.
Apenas tirou a jaqueta e envolveu a criança e o cão com ela.

Depois, ergueu o olhar.

E no instante em que os seus olhos encontraram os da multidão—as vozes morreram.

O nome do motard era João Mendes, e os seus olhos—frios como aço, cansados como os de um homem que perdeu demasiado—percorreram lentamente os rostos à sua frente.

Apertou o abraço à menina, puxando-a para si, como se soltá-la por um segundo significasse que algo terrível poderia acontecer.

Um homem na multidão falou, irritado:
“A miúda partiu coisas na loja. O cão causou distúrbios. Alguém devia chamar a polícia.”

João ignorou-o.
Em vez disso, ajoelhou-se ao lado da menina e perguntou suavemente:
“Como te chamas?”

“… Leonor.”
A voz dela era frágil, quase inexistente.

“E o nome dele?” perguntou João, acariciando o cachorro trémulo.

“Bobi… ele tem medo de barulhos. Eu… não sabia para onde ir…”

O cão tremia tão violentamente que João conseguia senti-lo através da jaqueta de couro. Leonor não estava muito melhor—as suas mãozinhas estavam geladas, os ombros a tremer.

João deu-lhe uma palmada nas costas, tranquilizador, e depois encarou a multidão.
“A menina não partiu nada. O cão só está assustado. Então, o que querem? Vê-los congelar?”

Uma mulher murmurou:
“Só queremos ordem…”

João riu-se, sem humor.
“Já vi o que chamam de ‘ordem’. Tirou-me mais do que alguma vez saberão.”

Algumas pessoas trocaram olhares desconfortáveis.

João levantou Leonor para ficar de pé. Mas, ao virar-se para sair, o empregado da loja—um homem português na casa dos 30, com uma expressão severa e impaciente—avançou:
“Espera! Essa menina fugiu do centro de acolhimento. Não podes simplesmente levá-la!”

Leonor encolheu-se, enterrando o rosto no peito de João. Bobi gemeu.

O tom de João baixou:
“Tens a certeza disso?”

“Ela está desaparecida do centro,” insistiu o homem. “Tenho de a deter.”

João agachou-se ao nível de Leonor.
“É verdade?”

Ela abanou a cabeça, as lágrimas a rebentarem.
“Não quero voltar. Gritaram comigo… bateram no Bobi porque ele ladrou…”

O peito de João apertou-se.
Uma cicatriz antiga pulsou de dor.

Viu, naquela menina, o fantasma do seu próprio filho—Tiago, com dez anos—tirado-lhe quando perdeu a custódia durante os anos mais negros da sua bebedeira. Tiago tinha-lhe dito as mesmas palavras:
“Gritam comigo. Odeiam-me. Pai… quero ir para casa…”

João lembrava-se de correr para o ir buscar.
Lembrava-se de chegar tarde demais.

O acidente.
A chamada.
O mundo a desmoronar-se.

Carregara aquela culpa desde então.

E agora, diante dele, estava outra criança assustada, a implorar para não ser abandonada.

João levantou-se devagar, com Leonor nos braços, os olhos a brilhar com algo feroz.
“Ela vem comigo.”

O empregado rosnou: “Não tens esse direito!”

João respondeu com uma frase que fez o beco inteiro emudecer:
“Se tiver de passar o resto da vida a pagar por salvar estes dois… pagarei.”

A multidão paralisou.

Então, uma senhora idosa de cabelos brancos avançou, apoiada numa bengala.
“Eu vi esta menina sentada cá fora desde de manhã. Ninguém lhe deu comida. Ninguém se importou. O motard tem razão.”

Um jovem concordou.
Depois uma mulher de meia-idade.
Depois um pai com o seu bebé ao colo.

Um a um, a multidão começou a afastar-se.

João apertou a jaqueta em volta de Leonor e de Bobi e caminhou em frente, pelo mar de pessoas que se abria.

“Vais… deixar-me?” soluçou Leonor.

João abanou a cabeça.
“Já deixei uma criança para trás uma vez. Não vou cometer o mesmo erro outra vez.”

Leonor abraçou-o com força. Bobi lambeu a mão de João, como a agradecer.

Estavam quase a sair do beco quando uma voz familiar chamou:
“João… para.”

João virou-se.

Um homem português perto dos 60, com um colete policial, aproximou-se—o Comandante Silva, chefe da polícia local e velho amigo de João.

Silva olhou para Leonor, depois para João.
“Sabes que não quero fazer isto… mas legalmente—”

João interrompeu-o.
“Pergunta-lhe onde quer ir.”

Silva ajoelhou-se.
“Leonor, queres voltar para o centro?”

Ela abanou a cabeça violentamente, agarrando-se a Bobi.

Silva encarou João por longos segundos.
Depois suspirou.
“Tu sempre escolhes o caminho mais difícil… mas às vezes o certo.”

Virou-se para a multidão.
“Vou permitir que ele a leve—a menos que alguém se oponha.”

Ninguém falou.
Ninguém se mexeu.
Ninguém ousou.

Silva acenou a João.
“Leva-os para a minha casa. Falamos mais lá. Mas cuidado, João. Isto é delicado.”

João sorriu ligeiramente, um gesto raro.

Colocou Leonor na Harley, embrulhou-a e a Bobi na sua jaqueta e ligou o motor.

A rua inteira ficou em silêncio.

E todos se afastaram quando o motard arrancou.

A casa de Silva era quente, iluminada por candeeiros amarelos que suavizavam cada canto. Leonor encolheu-se no sofá velho, Bobi seguro sob o seu braço.

Silva e João sentaram-se frente a frente—dois homens marcados pela dor, pelo arrependimento e por anos de compreensão não dita.

Silva inclinou-se para a frente.
“O centro de acolJoão olhou para Leonor, agora adormecida, e murmurou para si mesmo: “Desta vez, não vou falhar.”

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