Era suposto ser apenas mais uma tarde tranquila. Tiago Costa, um agricultor viúvo de 36 anos, caminhava para casa pela antiga linha férrea que cortava os campos atrás da sua propriedade. As suas botas rangiam no cascalho, e cada passo ecoava como o ritmo de uma vida vivida em solidão. Desde a morte da sua esposa, dois anos antes, os dias de Tiago tinham sido sempre iguais: trabalho no campo, silêncio e o riso cada vez mais raro da sua filha Beatriz, de 10 anos, que estudava na cidade.
Mas naquela tarde, a tranquilidade foi quebrada.
Um grito agudo e desesperado rasgou o ar. Não era o grito de um animal—era humano e transbordava terror. Tiago parou subitamente. Depois, ouviu-se outro grito, mais fraco, seguido do som distante de um trem que se aproximava.
Sem pensar, ele começou a correr. O coração batia com força, e a terra tremia sob os seus pés. Ao dobrar a curva, a cena à sua frente gelou-lhe o sangue.
Uma jovem estava amarrada aos trilhos, com os pulsos atados por uma corda grossa e os tornozelos presos ao rail de aço. O vestido rasgado colava-se à pele machucada, e os longos cabelos castanhos estavam emaranhados de terra e suor. Mas o que lhe revirou o estômago foi o bebé minúsculo que ela segurava contra o peito, enrolado num cobertor roto, chorando baixinho.
O apito do trem ficou mais alto; faltavam apenas segundos.
“Não, não, não…!” Tiago gritou, correndo na direção dela. Ajoelhou-se ao seu lado. “Fica quieta! Vou tirar-te daqui!”
Os olhos dela abriram-se lentamente. “Por favor… o meu bebé,” sussurrou, quase inaudível sobre o rugido do trem.
Tiago sacou da sua faca e cortou as cordas. O trem estava tão perto que ele sentia o chão tremer. A lâmina escorregou—as suas mãos estavam suadas.
“Vamos!” berrou, serrando com mais força. A corda cedeu. Puxou-a para longe dos trilhos, agarrando a mãe e a criança e rolando com elas para o lado, no momento exato em que o trem passou a toda velocidade, com tanta força que o vento o derrubou.
O barulho martelava-lhe os ouvidos; o calor e o vento queimavam-lhe o rosto. Quando o trem finalmente passou, Tiago ficou imóvel, ofegante, com a mulher e o bebé nos braços, vivos.
Por um longo momento, ele apenas os olhou, chocado por perceber o quão perto a morte tinha estado. A mulher tremia, abraçando o filho.
“Obrigada…” sussurrou, fraca.
Mas quando Tiago a encarou, viu algo além do medo: um segredo que ela não estava pronta para contar.
Tiago levou a mulher e o bebé de volta à sua pequena quinta nos arredores da vila. O sol já se tinha posto quando chegaram. A sua vizinha idosa, Dona Isabel, ouviu o rebuliço e correu para lá.
“Meu Deus!” exclamou ao ver os pulsos da mulher, vermelhos e esfolados. “O que aconteceu?”
“Encontrei-a amarrada aos trilhos,” disse Tiago, sem fôlego. “Alguém fez isto com ela.”
Deitaram-na no sofá, e Dona Isabel pegou no bebé com cuidado. A criança, com apenas algumas semanas de vida, choramingou baixinho. Tiago soube que a mulher se chamava Leonor Santos. No início, ela falava pouco, ainda a tremer do trauma.
Naquela noite, Tiago não conseguiu dormir. Revivia a cena vezes sem conta: as cordas, o bebé a chorar, o terror nos olhos de Leonor. Porque faria alguém uma coisa assim?
De manhã, Leonor estava acordada, mas pálida. Tiago trouxe-lhe comida e perguntou suavemente: “Quem te amarrou ali?”
Os lábios dela tremeram. “Estão à minha procura,” murmurou. “Eles vão voltar.”
“Quem?”
Ela hesitou, apertando o bebé com mais força. “A família do meu marido. Acham que os desonrei. Quando ele morreu, culparam-me… disseram que manchei o nome deles. Eu fugi, mas encontraram-me.” A voz falhou. “Queriam garantir que eu nunca mais falasse.”
Tiago cerrou o maxilar. “Aqui estás segura.”
Mas Leonor abanou a cabeça. “Ninguém está seguro quando há vingança no ar.”
Nos dias seguintes, ela recuperou lentamente sob os cuidados de Dona Isabel. Ajudava nas tarefas, dava de mamar ao bebé e até começou a sorrir de novo, embora os olhos muitas vezes se desviassem para as colinas ao longe, como se esperasse algo… ou alguém.
Uma tarde, Tiago voltou da vila com más notícias. O dono da mercearia mencionara que dois homens andavam a perguntar por uma jovem com um bebé, oferecendo dinheiro por informação.
Naquela noite, com o vento a uivar lá fora, Tiago carregou a espingarda e sentou-se junto à janela. A lamparina tremeluzia suavemente. Leonor ficou junto à porta, com o bebé nos braços. Os olhares cruzaram-se—medo nela, determinação nele.
“Se vierem,” disse Tiago em voz baixa, “terão de passar por cima de mim primeiro.”
E mal acabou de falar, o som de cascos distantes ecoou pelo vale.
O barulho ficou mais forte, constante, intencional. Tiago apertou a espingarda. A luz da lua espalhou-se pelos campos, revelando três cavaleiros a aproximarem-se a galope.
Dona Isabel apagou a lamparina. “Encontraram-na,” sussurrou.
Leonor apertou o bebé, trémula. “São eles.”
Os cavaleiros pararam à beira do cercado. O mais alto—um homem corpulento com uma cicatriz na face—gritou: “Sabemos que ela está aí! Afasta-te, camponês! Ela é nossa!”
Tiago saiu para o alpendre, espingarda em punho. “Não é de ninguém,” respondeu, firme. “Dá meia-volta e vai-te embora.”
O homem sorriu com desdém. “Vais-te arrepender disto.”
Antes que ele pudesse sacar da arma, Tiago disparou um tiro de aviso que assobiou perto do seu ouvido. Os homens hesitaram. Então, o caos rebentou. Um deles disparou de volta, estilhaçando uma janela. Dona Isabel gritou. Leonor agachou-se, protegendo o bebé.
Tiago agiu com calma e precisão, disparando novamente e forçando os atacantes a recuar. Um homem caiu do cavalo; outro escondeu-se atrás de uma carroça. O líder praguejou, recarregando a pistola. “Hás de pagar por isto!”
Lá dentro, Leonor deixou o bebé em segurança e agarrou o pequeno revólver que Tiago guardava na cozinha. Aproximou-se silenciosamente da janela. Quando o homem da cicatriz apontou para as costas de Tiago, Leonor puxou o gatilho. O tiro ecoou na noite. O homem cambaleou e deixou cair a arma.
Os outros fugiram em pânico. Os cavalos desapareceram na escuridão, os cascos desvanecendo-se no silêncio.
Tiago voltou-se, pasmado. Leonor continuava a tremer, fumo a sair da pistola. Lágrimas corriam-lhe pelas faces.
“Eu… eu tive de fazer isto,” sussurrou.
Ele baixou a espingarda e aproximou-se. “Salvaste-me a vida,”Os três viveram felizes na quinta, onde o passado de medo ficou para trás e o futuro se abriu cheio de esperança.





