Toda a minha família jurou que eu tinha desistido da Marinha. Fiquei em silêncio na cerimónia do meu irmão para SEAL. Então, o general dele prendeu o olhar em mim e disse: “Coronel, você está aqui.”
A multidão congelou. O queixo do meu pai caiu no chão.
Chamo-me Ana Pereira, 35 anos, e estou no fundo da cerimónia do meu irmão, de roupas civis, invisível para a minha família, que acha que desisti das Forças Armadas. A ironia? Sou coronel nas operações especiais da Força Aérea. Por razões de segurança nacional, mantive a minha carreira em segredo durante anos. Quando olho para a multidão, vejo o general do meu irmão João a fitar-me, com os olhos a espantar-se de reconhecimento.
Antes de vos contar o que aconteceu a seguir, digam-me de onde estão a assistir. Deixem um gosto se alguma vez tiveram de esconder o vosso sucesso de quem duvidou de vocês.
Crescer em Lisboa como filha de um capitão da Marinha reformado, Tomás Pereira, significava que a excelência militar não era apenas encorajada. Era esperada. A nossa casa estava repleta de memórias navais, e as conversas à mesa giravam em torno de estratégia marítima e história militar. A voz forte do meu pai enchia a sala de jantar com histórias das suas missões, os olhos a brilhar de orgulho enquanto o meu irmão mais novo, João, absorvia cada palavra. Eu também ouvia, igualmente fascinada, mas de alguma forma o meu entusiasmo nunca foi recebido da mesma forma.
“A Ana tem uma mente afiada”, dizia o meu pai aos seus amigos da Marinha que nos visitavam, “mas falta-lhe a disciplina para o serviço.”
Este comentário doía, especialmente porque passei a minha infança inteira a sonhar seguir os seus passos. Corria todas as manhãs antes da escola, estudava táticas navais nos seus livros, e me candidatei à Academia Naval com notas e exames perfeitos. Quando fui aceite, foi o dia mais orgulhoso da minha vida. O meu pai até me abraçou, algo tão raro que fez o momento parecer monumental.
“Não desperdices esta oportunidade”, disse, a voz rouca do que esperei serem emoções.
A Academia foi tudo o que eu esperava—desafiante e gratificante. Destaquei-me nos cursos de estratégia e treino físico, formando-me entre os melhores. O que a minha família nunca soube foi que, no meu terceiro ano, fui discretamente aproximada por oficiais de inteligência que notaram a minha aptidão em áreas-chave. Ofereceram-me uma posição num programa classificado que exigia transição imediata e sigilo absoluto.
O programa exigia que eu criasse uma história de cobertura. Os oficiais sugeriram a explicação mais simples—que eu tinha desistido da Academia. Seria suficientemente credível. Muitos candidatos talentosos não conseguiam terminar, e atrairia o mínimo de atenção. Aceitei, acreditando que a minha família acabaria por saber a verdade quando a minha missão o permitisse.
Nunca estive tão enganada.
“Simplesmente não entendo como pudeste deitar tudo pra fora”, disse a minha mãe, Leonor, na minha primeira visita a casa depois da “desistência”. O seu desapontamento manifestava-se em lábios apertados e olhos desviados. “O teu pai mexeu os seus contactos para que fosses considerada.”
“Eu não lhe pedi para o fazer”, respondi calmamente, a natureza classificada da minha nova posição selando os meus lábios de partilhar algo mais significativo.
O meu pai foi pior. Não gritou nem deu sermões. Simplesmente parou de falar de mim. Quando os familiares perguntavam pelos filhos, ele iluminava-se a falar das conquistas de João na Academia, onde ele seguia o caminho tradicional que eu supostamente tinha abandonado, e depois mudava de assunto quando o meu nome surgia.
Os jantares de Natal tornaram-se exercícios de resistência.
“O João foi selecionado para treino tático avançado”, anunciava o meu pai, a cortar o peru com precisão. “O melhor da sua turma.”
“Estamos tão orgulhosos”, acrescentava a minha mãe, a mão no ombro de João enquanto os seus olhos passavam por mim. “É reconfortante quando os nossos filhos encontram o seu propósito.”
A minha prima Inês, sempre sem tato, perguntou uma vez diretamente à mesa: “Então, Ana, ainda estás a trabalhar naquele emprego administrativo na seguradora?”
Esta era a história de cobertura que mantinha. Um cargo corporativo aborrecido que desencorajava mais perguntas.
“Sim”, respondi, engolindo a mentira e o meu orgulho. “Ainda lá estou.”
“Bons benefícios, suponho”, respondeu com um sorriso fino que dizia muito sobre a sua opinião das minhas escolhas de vida.
Enquanto isso, a minha carreira real avançava a um ritmo extraordinário. Não podia contar-lhes sobre as operações noturnas em países oficialmente intocados pelas forças portuguesas. Não podia mencionar a inteligência que recolhi e que salvou incontáveis vidas, ou as condecorações armazenadas num local seguro em”Hoje, anos depois, quando os meus pais erguem os copos em brindes familiares, já não falam apenas do João, mas também da filha que serviu nas sombras, e o orgulho nos seus olhos, finalmente, é igual para os dois.”





