Todos os motociclistas de couro naquele bar enfumaçado calaram-se quando a pequena criança, vestida com um pijama da princesa da Disney, apareceu na porta, lágrimas escorrendo pelo rosto, encarando os trinta homens rudes como se fossem sua última esperança.
Ela caminhou direto para Cobra, o presidente de quase dois metros do clube Lobos de Ferro, rosto marcado e braços grossos como troncos. Puxando seu colete, ela disse palavras que colocariam toda a gangue em movimento e revelariam o segredo mais sombrio da nossa cidade.
“O homem mau trancou a Mamãe no porão e ela não acorda,” sussurrou. “Ele disse que se eu contasse a alguém, machucaria meu irmãozinho. Mas a Mamãe disse que os motociclistas protegem as pessoas.”
Não a polícia. Não os vizinhos. Nenhum dos supostos cidadãos respeitáveis. Aquela menina ouvira da mãe que, se precisasse de ajuda de verdade, devia procurar os motociclistas.
Cobra agachou-se para olhá-la nos olhos, seu porte enorme tornando-a ainda menor. O bar inteiro segurou a respiração.
“Qual é o seu nome, princesinha?” pergutou, com uma voz mais suave do que jamais havíamos ouvido.
“Inês,” respondeu, então acrescentou palavras que fizeram cada motociclista no local pegar o telefone: “O homem mau é um polícia. Por isso a Mamãe disse para só procurar os motociclistas.”
Cobra ergueu Inês como se ela não pesasse nada, segurando-a nos braços como um tesouro frágil.
“Irmãos,” disse com firmeza. “Vamos rodar.”
Nenhum debate. Nenhuma votação. Uma criança pedira ajuda.
“Minho,” ordenou ao seu braço-direito, “leve cinco homens ao hospital. Diga que estamos trazendo uma mulher inconsciente, possível overdose ou envenenamento. Não deixem chamar a polícia antes da nossa chegada.”
“Cão da Estrada, leve dez e varra os bairros. Casa por casa, rua por rua. Procuramos um porão—provavelmente na casa de um polícia.”
“O resto, comigo.”
Inês foi envolvida em um casaco de couro, segura nos braços de Cobra. “Consegues dizer onde fica tua casa, princesinha?”
Ela balançou a cabeça. “Não é minha casa. O homem mau levou-nos para outro lugar. Tem uma porta azul e uma caixa de correio partida.”
Trinta motores rugiram no estacionamento. O som deveria ser assustador, mas Inês até sorriu.
“São tantas motas,” disse, maravilhada.
“Todas aqui para te ajudar e à tua mamã,” garantiu Cobra.
Dividimo-nos, percorrendo cada bairro num raio de oito quilômetros. O novato viu primeiro—porta azul, caixa de correio quebrada, viatura na garagem.
“Encontramos,” avisou pelo rádio. “Casa do agente Rui Mendes. Rua do Carvalho, 447.”
Todos conheciam aquele nome. Mendes, o “herói policial” que sempre pegava o turno da noite, fazia horas extras e estava convenientemente presente em todas as grandes operações.
Invadimos a casa como um exército. Cobra, cauteloso, ligou primeiro para o advogado, posicionou homens no hospital e ordenou que tudo fosse filmado.
“Inês,” disse Cobra com cuidado, “vamos salvar a tua mãe. Mas precisas que fiques com o Remendos. Ele vai levar-te para um lugar seguro.”
Remendos, o membro mais velho—um setentão com barba de Pai Natal sob o couro—esticou os braços. Inês foi sem medo.
O que encontramos naquele porão ainda me assombra.
Joana, mãe de Inês, estava inconsciente num colchão, acorrentada a um cano. Mal respirava. Marcas de agulhas frescas cobriam seus braços, mas Cobra, ex-socorrista, afirmou: “Ela não é viciada. Estes furos são de injeção, não feitos por ela.”
O bebê mencionado por Inês estava num berço no canto, com cerca de oito meses—faminto, assustado, mas ileso.
Libertámo-los. Documentámos tudo. Cobra carregou Joana nos braços enquanto eu segurava o bebê. Quando os colocámos na van, o agente Mendes chegou.
Congelou ao ver-nos. Ao ver suas vítimas. Então, moveu a mão para a arma.
Trinta motociclistas avançaram como um só.
“Não seria boa ideia,” alertou Cobra. “Já chamámos o teu chefe. E a PJ. E a imprensa. Imagina o que vão descobrir quando revirarem os casos que trataste.”
Mendes empalideceu. “Não entendem. Ela é uma drogada. Eu estava a ajudar—”
“Acorrentando-a no teu porão?” retruquei.
A verdade veio à tona. Joana descobrira que ele cobrava propinas de traficantes. Quando ameaçou denunciá-lo, ele raptou-a e às crianças, mantendo-as dias no porão, injetando heroína para que ela parecesse viciada e perdesse credibilidade.
Mas não contava com Inês.
Nem com os conselhos da mãe sobre os motociclistas.
No hospital, Joana acordou. A primeira coisa que pediu foram os filhos. A segunda foi entender por que um quarto cheio de motociclistas montava guarda.
“Vocês encontraram-na,” murmurou para Cobra. “A Inês encontrou-vos.”
“Menina corajosa,” disse Cobra. “Entrou sozinha no Bar do Tinto. Disse que a mãe lhe ensinou que os motociclistas protegem as pessoas.”
Joana sorriu fraco. “O meu pai era motociclista. Morreu quando eu tinha dez anos. Ele sempre dizia que o clube me protegeria se precisasse. Nunca esqueci.”
“Qual era o nome dele na estrada?” perguntou Cobra.
“Trovão. Manuel ‘Trovão’ Almeida.”
O quarto silenciou. Todos os veteranos conheciam aquele nome.
“A filha do Trovão?” a voz de Cobra falhou. “Meu Deus. O Trovão salvou-me a vida em Angola. Levou três balas que eram para mim.”
Joana chorou ainda mais. “Ele nunca voltou da última missão.”
“Não,” Cobra falou baixinho. “Mas antes daquela operação, fez-nos prometer—se algo acontecesse, o clube cuidaria da sua menina. Parece que levámos trinta anos para cumprir.”





