Menina pede ajuda ao homem mais temido para encontrar a mãe5 min de lectura

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Tudo naquela sala enfumaçada ficou em silêncio quando aquela menininha, vestida com um pijama da Branca de Neve, apareceu na porta com lágrimas escorrendo pelo rosto, olhando para trinta motoqueiros durões como se fossem sua última esperança.

Ela caminhou direto para Cobra, o presidente de quase dois metros do Clube dos Lobos de Ferro, com braços grossos como troncos e o rosto marcado por cicatrizes. Puxando o colete dele, sussurrou palavras que colocariam todo o clube em movimento e revelariam o segredo mais sombrio da nossa cidade.

“O homem mau trancou a mamãe no porão e ela não acorda,” murmurou. “Ele disse que se eu contasse a alguém, machucaria meu irmãozinho. Mas a mamãe disse que os motoqueiros protegem as pessoas.”

Não a polícia. Não os vizinhos. Nenhum daqueles chamados “respeitáveis”. Aquela menina havia aprendido com a mãe que, se precisasse de ajuda de verdade, devia procurar os motoqueiros.

Cobra agachou-se para ficar na altura dela, seu tamanho fazendo-a parecer ainda menor. O bar inteiro segurou a respiração.

“Qual é o seu nome, princesinha?” ele perguntou, com uma voz mais suave do que qualquer um de nós já havia ouvido.

“Beatriz,” ela respondeu, e então acrescentou palavras que fizeram cada um dos homens ali pegar o telefone: “O homem mau é polícia. Por isso a mamãe disse para eu só procurar vocês.”

Cobra levantou Beatriz como se não pesasse nada, segurando-a como um tesouro.

“Irmãos,” anunciou, firme. “Vamos rodar.”

Sem discussão. Sem votação. Uma criança havia pedido ajuda.

“Pequeno,” ordenou ao seu braço direito, “leve cinco homens ao hospital. Diga que estamos trazendo uma mulher inconsciente, possível overdose ou envenenamento. Não deixem ligarem para ninguém antes de chegarmos.”

“Cão da Estrada, leve dez e varra os bairros. Casa por casa, rua por rua. Procurem um porão—provavelmente na casa de um polícia.”

“O resto vem comigo.”

Beatriz foi embrulhada em um casaco de couro, segura nos braços de Cobra. “Consegue nos dizer onde fica sua casa, princesinha?”

Ela balançou a cabeça. “Não é minha casa. O homem mau nos levou para outro lugar. Tem uma porta azul e uma caixa de correio quebrada.”

Trinta motores rugiram no estacionamento. O som devia ser assustador, mas Beatriz sorriu.

“São muitas motos,” ela disse, admirada.

“Todas aqui para ajudar você e sua mãe,” Cobra respondeu.

Dividimo-nos, percorrendo os bairros num raio de cinco quilômetros. O Novato foi quem avistou—porta azul, caixa de correio quebrada e uma viatura na garagem.

“Encontrei,” radioou. “Casa do agente Paulo Mendes. Rua dos Carvalhos, 447.”

Todos conheciam aquele nome. Mendes, o “herói policial” que sempre pegava o turno da noite, fazia horas extras e, convenientemente, estava presente em todas as grandes operações.

Invadimos a casa como um exército. Cobra, sempre cauteloso, ligou para seu advogado, posicionou homens no hospital e ordenou que tudo fosse filmado.

“Beatriz,” ele disse com cuidado, “vamos salvar sua mãe. Mas você precisa ficar com Tio Manchas. Ele vai te levar para um lugar seguro.”

Manchas, o membro mais velho—um ex-combatente de setenta anos com uma barba de Papai Noel sob o colete—esticou os braços. Beatriz foi sem medo.

O que encontramos naquele porão ainda me assombra.

Sofia, mãe de Beatriz, estava inconsciente num colchão, acorrentada a um cano. Mal respirava. Marcas de agulhas frescas cobriam seus braços, mas Cobra, ex-socorrista, foi categórico: “Ela não usa drogas. Essas são injeções forçadas.”

O bebê que Beatriz mencionara estava num berço, com cerca de oito meses—assustado, com fome, mas ileso.

Nós os libertamos. Documentamos tudo. Cobra carregou Sofia enquanto eu pegava o bebê. Quando os colocávamos na van, o agente Mendes chegou.

Ele congelou ao nos ver. Ao ver suas vítimas. E então, puxou a arma.

Trinta motoqueiros avançaram como um só.

“Não faça isso,” Cobra advertiu. “Já chamamos seu chefe, a PJ e a imprensa. Imagina o que vão descobrir quando revisarem os casos que você ‘resolveu’.”

Mendes empalideceu. “Vocês não entendem. Ela é viciada. Eu estava ajudando—”

“Acorrentando-a no seu porão?” eu retruquei.

A verdade veio à tona depois. Sofia o flagrara recebendo propina de traficantes. Quando ela ameaçou denunciá-lo, ele raptou a família, injetando heroína nela para parecer uma viciada e perder credibilidade.

Mas não contava com Beatriz.

E muito menos com os conselhos da mãe sobre motoqueiros.

No hospital, Sofia acordou. A primeira coisa que pediu foi pelos filhos. A segunda foi entender por que uma sala cheia de motoqueiros montava guarda.

“Vocês a encontraram,” sussurrou para Cobra. “A Beatriz os encontrou.”

“Menina corajosa,” ele respondeu. “Entrou sozinha no Bar do Zé. Disse que a mãe ensinou que motoqueiros protegem quem precisa.”

Sofia sorriu, fraca. “Meu pai era motoqueiro. Morreu quando eu tinha dez anos. Sempre dizia que o clube estaria lá se eu precisasse. Nunca esqueci.”

“Qual era o nome dele?” Cobra perguntou.

“Trovão. António ‘Trovão’ Silva.”

O silêncio tomou a sala. Todos os veteranos conheciam aquele nome.

“A filha do Trovão?” a voz de Cobra falhou. “Meu Deus. Ele salvou minha vida em Angola. Levou três tiros que eram pra mim.”

Sofia chorou mais forte. “Ele nunca voltou da missão.”

“Não,” Cobra falou baixo. “Mas antes de partir, nos fez prometer que, se algo acontecesse, o clube cuidaria de sua menina. Demorou trinta anos, mas a promessa foi cumprida.”

Hoje aprendi que a verdadeira honra não tem uniforme. Às vezes, vem em coletes de couro e motos barulhentas. E vale mais do que qualquer título.

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