Era no meio da noite na cidade de Vila do Mar. Dentro da esquadra fracamente iluminada, o Sargento Duarte Mendes estava sozinho no balcão, lutando para se manter acordado. A luz fluorescente sobre sua cabeça zumbia baixinho, e o único som na sala era o murmúrio de um computador antigo. Ele olhou para o relógio da parede. Os ponteiros marcavam quase três horas. Era sempre a hora mais difícil, quando o silêncio parecia mais pesado, como se o mundo inteiro tivesse prendido a respiração.
Duarte esfregou os olhos e suspirou. Nenhuma chamada havia chegado desde que seu turno começara. Recostou-se na cadeira, pensando em servir mais uma xícara de café requentado. Foi então que o telefone tocou, seu som agudo cortando a quietude como uma faca.
Ele atendeu automaticamente. “Polícia de Vila do Mar, fala o Sargento Mendes. Em que posso ajudar?”
Por um momento, ouviu apenas o chiado da linha. Depois, uma voz frágil, hesitante e trêmula. “Alô?”
Duarte franziu a testa. A voz era de uma criança, talvez não mais que seis ou sete anos. Seu tom suavizou imediatamente. “Olá, querida. Por que está a ligar para a polícia tão tarde? Onde estão os teus pais?”
Houve uma pausa, e então a criança sussurrou: “Eles estão no quarto.”
“Podes passar a tua mãe ou o teu pai ao telefone?” perguntou Duarte com suavidade.
Um longo silêncio se seguiu. Depois, a menina falou novamente, ainda mais baixo. “Não posso.”
Duarte endireitou-se na cadeira, uma inquietação crescendo no peito. “Conta-me o que aconteceu. Só ligas para nós se algo importante estiver a acontecer.”
“É importante,” disse a menina, e ele percebeu que ela tentava não chorar. “Fui acordá-los, mas eles não se mexem. Não me respondem.”
O sono que turvara a mente de Duarte evaporou num instante. Seus instintos gritavam que aquela não era uma chamada comum.
Manteve a voz calma por ela. “Talvez estejam apenas a dormir profundamente. Afinal, é muito tarde.”
“Não,” sussurrou a menina. “Eu abanei-os. Eles sempre acordam quando eu entro. Mas desta vez não.”
Duarte tapou o auscultador com a mão e sinalizou para o Agente Sousa, que cochilava num canto, para preparar a viatura. Depois, voltou ao telefone. “Há mais algum adulto contigo? Avós, talvez uma babysitter?”
“Não. Só eu e eles,” respondeu ela.
“Está bem. Preciso que me digas o teu endereço para irmos aí ver o que se passa.”
Ela disse-o devagar, tropeçando nos números. Duarte anotou rapidamente, reconhecendo o bairro: uma fileira de casas antigas nos arredores da cidade. Manteve o tom sereno. “Fizeste bem em ligar. Agora ouve com atenção. Fica no teu quarto até chegarmos. Não andes pela casa. Consegues fazer isso?”
“Sim,” murmurou ela.
Dez minutos depois, a viatura parou em frente a uma casa modesta de dois andares, com a tinta branca descascada. Uma luz de varanda brilhava fracamente sobre a porta. Para surpresa de Duarte, a porta abriu-se antes que pudessem bater. Uma menina de camisa de noite estava ali, os olhos arregalados e assustados.
“Eles estão lá em cima,” disse simplesmente, apontando para o corredor.
Duarte e Sousa trocaram um olhar rápido e seguiram-na. Quando entraram no quarto principal, um arrepio pairou no ar. Um homem e uma mulher estavam deitados lado a lado na cama. Os rostos pálidos, os corpos imóveis. Nenhum sinal de luta, nenhum ferimento visível—apenas uma quietude assustadora.
“Meu Deus,” murmurou Sousa.
Duarte chamou imediatamente uma ambulância e a equipe de investigação. A cena era perturbadora, mas não parecia um crime. Algo mais estava errado.
Quando a equipe de emergência chegou, descobriram rapidamente a causa. Um vazamento de gás do velho sistema de aquecimento enchera a casa em silêncio durante a noite. Os pais nunca acordaram, asfixiados enquanto dormiam.
A sobrevivência da menina era extraordinária. Seu quarto ficava no segundo andar, ligeiramente afastado da concentração mais pesada de gás. Mais importante ainda, ela tinha o hábito de deixar a janela entreaberta à noite. Aquele pequeno fluxo de ar fresco salvara sua vida, embora os médicos mais tarde confirmassem que ela inalara fumos suficientes para adoecer gravemente. Foi levada às pressas para o hospital, mas estabilizou em poucas horas.
Duarte pensou na chamada repetidas vezes nos dias seguintes. Se tivesse ignorado, achando que era uma brincadeira ou o medo de uma criança, a menina talvez não sobrevivesse até o amanhecer. Sua decisão de ouvir, de levar suas palavras a sério, dera-lhe uma chance de viver.
Nos momentos de silêncio depois do caso encerrado, Duarte revivia o som de sua voz ao telefone. Frágil, incerta, mas corajosa o suficiente para pedir ajuda na escuridão. E porque ela o fez, e porque alguém respondeu, a esperança permaneceu onde a tragédia quase levou tudo.





