Todos os motociclistas vestidos de couro naquele bar cheio de fumo ficaram em silêncio quando aquela menininha, vestida com um pijama da Princesa Sofia, apareceu na porta, com lágrimas escorrendo pelo rosto, encarando trinta homens durões como se fossem sua última esperança.
Ela foi direto ao Draco, presidente do clube Os Lobos de Ferro, um homem de dois metros de altura, com cicatrizes no rosto e braços grossos como troncos. Puxando seu colete, ela disse palavras que colocariam toda a gangue em ação e revelariam o segredo mais sombrio da cidade.
“O homem mau trancou a mamãe no porão e ela não acorda,” sussurrou. “Ele disse que se eu contasse a alguém, machucaria o meu irmãozinho. Mas a mamãe disse que os motoqueiros protegem as pessoas.”
Não a polícia. Não os vizinhos. Nenhum dos chamados “cidadãos de bem”. Aquela menina havia aprendido com a mãe que, se precisasse de ajuda de verdade, deveria procurar os motociclistas.
Draco agachou-se para olhá-la nos olhos, seu corpo enorme fazendo-a parecer ainda menor. O bar inteiro segurou a respiração.
“Qual é o teu nome, princesa?” perguntou, com a voz mais suave que já ouvimos.
“Matilde,” disse ela, antes de acrescentar algo que fez todos pegarem os celulares: “O homem mau é polícia. Por isso a mamãe disse para só procurar vocês.”
Draco levantou Matilde como se não pesasse nada, segurando-a com cuidado.
“Irmãos,” disse com firmeza. “Vamos rodar.”
Sem discussão. Sem votação. Uma criança pedira ajuda.
“Tó,” ordenou ao braço-direito, “leva cinco homens ao hospital. Diz que vamos levar uma mulher inconsciente, possível overdose ou envenenamento. Não deixem que liguem para ninguém antes de chegarmos.”
“Zé Estrada, leva dez e varra os bairros. Cada casa, cada rua. Procuramos um porão—provavelmente na casa dum polícia.”
“O resto, comigo.”
Matilde foi enrolada num casaco de couro, segura nos braços de Draco. “Consegues dizer onde fica a casa, princesa?”
Ela balançou a cabeça. “Não é a nossa casa. O homem mau levou-nos para outro sítio. Tem uma porta azul e uma caixa do correio partida.”
Trinta motores rugiram no estacionamento. O som devia ser assustador, mas Matilde até sorriu.
“São muitas motas,” disse, admirando.
“Todas aqui para ajudar a tua mãe e a ti,” respondeu Draco.
Dividimo-nos, percorrendo cada bairro num raio de oito quilómetros. O Novato foi quem encontrou—porta azul, caixa do correio quebrada, viatura da PSP na entrada.
“Encontramos,” avisou pelo rádio. “Casa do Agente Rui Tavares. Rua das Azinheiras, 447.”
Todos conheciam esse nome. Tavares, o “herói da PSP” que sempre trabalhava no turno da noite, fazia horas extras e estava presente em todas as grandes operações.
Invadimos a casa como um exército. Draco, cauteloso, chamou primeiro o advogado, posicionou homens no hospital e ordenou que tudo fosse filmado.
“Matilde,” disse Draco com suavidade, “vamos salvar a tua mãe. Mas precisas que fiques com o Careca. Ele vai levar-te para um lugar seguro.”
O Careca, o membro mais velho—um septuagenário com barba de Pai Natal sob o couro—abriu os braços. Matilde foi até ele sem medo.
O que encontramos naquele porão ainda me assombra.
Sofia, a mãe de Matilde, estava inconsciente num colchão, acorrentada a um cano. Mal respirava. Marcas de injeções cobriam seus braços, mas Draco, que fora socorrista, afirmou: “Ela não é viciada. Estas picadas não foram feitas por ela.”
O bebé que Matilde mencionara estava num berço no canto, com cerca de oito meses—com fome, assustado, mas ileso.
Libertámo-los. Documentámos tudo. Draco carregou Sofia nos braços enquanto eu levava o bebé. Quando os colocámos na carrinha, o Agente Tavares chegou.
Ele congelou ao ver-nos. Ao ver suas vítimas. Depois, moveu a mão para a arma.
Trinta motociclistas avançaram como um só.
“Eu não faria,” avisou Draco. “Já chamámos o teu chefe. E a PJ. E a imprensa. Imagina o que vão encontrar quando revisarem os teus casos.”
Tavares empalideceu. “Não entendem. Ela é viciada. Eu estava a ajudar—”
“Acorrentando-a no teu porão?” revidei.
A verdade veio à tona. Sofia descobrira que ele recebia subornos de traficantes. Quando ameaçou denunciá-lo, ele raptou-a e aos filhos, mantendo-os presos, injetando-lhe heroína para que parecesse uma viciada e perdesse credibilidade.
Mas não contava com Matilde.
E muito menos com o conselho da mãe sobre motoqueiros.
No hospital, Sofia acordou. A primeira coisa que pediu foram os filhos. A segunda foi saber por que uma sala cheia de motociclistas a vigiava.
“Encontraram-na,” sussurrou para Draco. “A Matilde encontrou-vos.”
“Menina corajosa,” disse Draco. “Entrou sozinha no Barril Velho. Disse que a mãe ensinou que os motoqueiros protegem as pessoas.”
Sofia sorriu fraco. “O meu pai era motociclista. Morreu quando eu tinha dez anos. Ele sempre dizia que o clube me protegeria se precisasse. Nunca esqueci.”
“Qual era o nome dele?” perguntou Draco.
“Trovão. João ‘Trovão’ Amaral.”
A sala caiu em silêncio. Os veteranos conheciam bem aquele nome.
“Filha do Trovão?” a voz de Draco falhou. “Meu Deus. O Trovão salvou-me em Angola. Levou três balas que eram para mim.”
Sofia chorou ainda mais. “Ele nunca voltou da última missão.”
“Não,” disse Draco baixinho. “Mas antes daquela operação, fez-nos prometer que o clube cuidaria da sua menina, caso algo acontecesse. Parece que levamos trinta anos para cumprir essa promessa.”
A vida ensina que, às vezes, os verdadeiros heróis não usam uniforme—usam couro. E que uma promessa, por mais antiga que seja, nunca se quebra.





