Jovem Contrata Bicicleteiros para se Vingar do Padrasto Violento6 min de lectura

Compartir:

Um menino se aproximou da nossa mesa cheia de motoqueiros e perguntou:
—Vocês podem matar o meu padrasto por mim?

Todas as conversas pararam. Quinze veteranos de coletes de couro ficaram imóveis, encarando o garotinho de camiseta de dinossauro que acabara de nos pedir para cometer um assassinato, como se estivesse pedindo mais molho para os seus pastéis de bacalhau.

A mãe dele estava na casa de banho, sem saber que o filho se aproximara da mesa mais temida do Café Nicola, na Avenida da Liberdade, sem ter noção do que ele estava prestes a revelar—algo que mudaria as nossas vidas para sempre.

—Por favor—acrescentou o menino, com voz baixa mas firme. —Eu tenho cem euros.

Ele tirou notas amassadas do bolso e as colocou sobre a mesa, entre chávenas de café e meias-fatias de bolo de arroz.

As suas mãozinhas tremiam, mas os seus olhos… aqueles olhos não estavam a brincar.

—O Grande Jorge—nosso presidente do clube e avô de quatro netos—curvou-se até à altura dele.
—Como te chamas, campeão?

—Tomás—sussurrou o menino, olhando nervosamente para a casa de banho. —A minha mãe está a chegar. Vão ajudar-me ou não?

—Tomás, por que queres que magoemos o teu padrasto?—perguntou Jorge, com delicadeza.

O menino puxou a gola da camiseta. Marcas roxas circundavam o seu pescoço.
—Ele disse que, se eu contasse a alguém, magoava mais a minha mãe do que a mim. Mas vocês são motoqueiros. São fortes. Vocês podem pará-lo.

Foi então que notámos o que não tínhamos visto antes: o modo como ele caminhava, inclinando-se mais para um lado. O pulso dele estava numa tala. O hematoma amarelado no queixo, mal disfarçado com maquilhagem barata.

—E o teu pai verdadeiro?—perguntou o “Zé Ossos”, nosso braço-direito.

—Morreu. Acidente de carro quando eu tinha três anos—disse Tomás, os olhos fixos na porta da casa de banho. —Por favor, a minha mãe já vem. Sim ou não?

Antes que alguém respondesse, uma mulher saiu da casa de banho. Bonita, nos seus trinta e poucos anos, mas a andar com movimentos contidos, como quem esconde dor.
Viu Tomás à nossa mesa e o pânico atravessou-lhe o rosto.

—Tomás! Desculpem, ele está a incomodar-vos…—correu até nós, e todos vimos que ela estremeceu de dor ao mover-se depressa demais.

—Não incomoda nada, senhora—disse Jorge, levantando-se devagar para não a assustar. —Você tem um filho muito esperto.

Ela agarrou a mão de Tomás, e eu reparei como a base na cara dela estava a escorrer, revelando nódoas negras que combinavam com as do filho.
—Temos de ir. Vamos, meu amor.

—Na verdade—disse Jorge, com voz calma—porque não se senta connosco? Íamos pedir sobremesa. A conta é nossa.

Os olhos dela arregalaram-se de medo.
—Não podemos…

—Insisto—Jorge afirmou, com um tom que deixava claro que não era só um convite. —O Tomás estava a dizer-me que gosta de dinossauros. O meu neto também.

Ela sentou-se com cautela, apertando o filho com força. O menino olhou entre nós e a mãe, esperança e medo misturados no seu rostinho.

—Tomás—disse Jorge—preciso que sejas muito corajoso agora. Mais do que quando nos pediste o que pediste. Consegues?

O menino acenou.

—Alguém está a magoar-te e à tua mãe?

O suspiro da mãe foi resposta suficiente.
—Por favor—sussurrou. —Vocês não entendem. Ele vai matar-nos. Ele disse…

—Senhora, olhe para esta mesa—interrompeu Jorge, baixinho. —Todos estes homens serviram em combate. Todos já protegemos inocentes de agressores. É o que fazemos. Agora, diga-me: alguém está a magoá-la?

A sua compostura quebrou. Lágrimas começaram a correr.
—O nome dele é Rui. O meu marido. Ele… é agente da PSP.

Isso explicava o seu terror. Um polícia violento sabe manipular o sistema, sabe fazer queixas desaparecer, sabe fazer a vítima parecer louca.

—Há quanto tempo?—perguntou o Zé Ossos.

—Dois anos. Pior desde que nos casámos. Já tentei sair, mas ele sempre nos encontra. Da última vez…—ela tocou inconscientemente nas costelas—o Tomás passou uma semana no hospital. O Rui disse que caiu da bicicleta.

—Eu nem tenho bicicleta—murmurou Tomás.

Senti a fúria percorrer a mesa. Quinze veteranos que já viram violência demais nas suas vidas, mas violência contra uma criança… isso era diferente. Isso era imperdoável.

—Onde está o Rui agora?—perguntou Jorge.

—De serviço. Sai à meia-noite—respondeu ela, olhando para o telemóvel. —Temos de estar em casa antes disso, senão…

—Não—Jorge cortou, firme. —Vocês não têm de estar em lado nenhum. Onde está o vosso carro?

—Lá fora. Um Renault azul.

Jorge fez sinal a três dos mais novos.
—Procurem rastreadores. Verifiquem o telemóvel também.—Estendeu a mão para ela.

—Vocês não entendem—disse ela, desesperada. —Ele tem contactos. Outros polícias. Juízes. Uma vez fiz queixa e acabei num hospital psiquiátrico. Disseram que eu era delirante.

—Como se chama?—perguntou Jorge.

—Inês.

—Inês, preciso que confie em nós. Consegue fazer isso?

—Por que razão nos ajudariam? Nem nos conhecem.

Tomás interveio:
—Porque eles são heróis, Mãe. Como o Pai. Heróis ajudam as pessoas.

A expressão de Jorge suavizou-se.
—O teu pai era militar?

—Marinha—respondeu Tomás, orgulhoso. —Morreu a servir Portugal.

A mesa inteira ficou em silêncio. A viúva e o filho de um marinheiro, maltratados por um polícia corrupto que explorava o seu sofrimento… aquilo era pessoal para cada veterano presente.

—Inês—disse Jorge—vou fazer umas chamadas. Temos recursos. Legais. Mas primeiro, precisamos de vos levar a um lugar seguro.

—Não há lugar seguro longe dele—ela respondeu, sem esperança.

—Senhora—disse o Tocha, o mais novo do clube, veterano do Iraque e advogado—especializo-me em casos de violência doméstica. Conheço juízes que não devem favores a ninguém. Mas precisamos de provas.

Inês riu-se, amarga.
—Ele tem cuidado. Nunca bate onde se vê. Nunca deixa marcas.

—As nódoas no pulso dele dizem o contrário—observou o Tocha. —Assim como o pescoço do Tomás.

—Ele vai dizer que mentimos. Que eu magoei o Tomás para o incriminar.

—Difícil estrangular a si mesma—notou o Zé Ossos.

O telemóvel de Jorge tocou. Atendeu, ouviu em silêncio, e o seu rosto endureceu.
—Encontraram três rastreadores no vosso carro. Dois no telemóvel.

Inês empalideceu.
—Ele sabe onde estamos.

—Ót—Ótimo—disse Jorge, com um sorriso frio, enquanto os motoqueiros ao redor da mesa se levantavam em silêncio, prontos para enfrentar o que viesse, porque agora já não era só um pedido de uma criança, era uma missão sagrada.

Leave a Comment