Chamo-me Inês, tenho vinte anos e sou estudante finalista de design. Os meus amigos dizem sempre que pareço mais madura do que a minha idade, talvez porque desde pequena cresci apenas com a minha mãe – uma mulher solteira, cheia de força e determinação. O meu pai faleceu cedo, e a minha mãe nunca voltou a casar; todos estes anos trabalhou sem descanso para me criar.
Numa das vezes em que participei num projeto de voluntariado no Porto, conheci o Afonso, o responsável pela equipa de logística. Era vinte anos mais velho do que eu, gentil, calmo, e falava com uma profundidade que me surpreendia. A princíamos apenas o apreciava como colega, mas, aos poucos, o meu coração começou a bater mais depressa sempre que ouvia a sua voz.
Afonso tinha passado por muito – tinha um trabalho estável e um casamento falhado, mas não tinha filhos. Não falava muito do passado, apenas dizia:
— Perdi algo muito valioso. Agora só quero viver com honestidade.
O nosso amor cresceu devagar, sem escândalos nem dramas. Ele tratava-me sempre com cuidado, como se protegesse algo frágil. Sabia que alguns comentavam: “Como é que uma rapariga de vinte anos se apaixona por um homem com vinte anos a mais?”, mas eu não ligava. Com ele, sentia-me em paz.
Um dia, Afonso disse-me:
— Quero conhecer a tua mãe. Não quero esconder mais nada.
Senti um nó no estômago. A minha mãe era exigente e sempre preocupada, mas pensei: se isto é amor verdadeiro, não há razão para ter medo.
Naquele dia, levei-o a casa. Afonso vestia uma camisa branca e trazia um ramo de cravos, as flores de que eu lhe dissera que a minha mãe adorava. Apertei-lhe a mão enquanto atravessávamos a velha porta da nossa casa em Gaia. A minha mãe estava a regar as plantas e viu-nos.
Nesse instante… ficou paralisada.
Antes que eu os pudesse apresentar, correu para ele e abraçou-o com força, as lágrimas a caírem sem controlo.
— Meu Deus… és tu! — exclamou. — Afonso!
O ar ficou pesado. Fiquei gelada, sem entender nada. A minha mãe continuava a abraçá-lo, a chorar e a tremer. Afonso parecia atordoado, o olhar perdido, como se não acreditasse no que via.
— Tu és… Leonor? — murmurou com a voz rouca.
A minha mãe ergueu a cabeça e confirmou, emocionada:
— Sim… és mesmo tu! Deus meu, depois de mais de vinte anos, ainda estás vivo, ainda aqui!
O meu coração batia descontroladamente.
— Mãe… conheces o Afonso?
Ambos me olharam. Ninguém disse nada durante segundos. Depois, a minha mãe enxugou as lágrimas e sentou-se:
— Inês… preciso de te contar a verdade. Quando era jovem, amei um homem chamado Afonso… e ele é esse homem.
O silêncio encheu a sala. Olhei para Afonso, o seu rosto pálido e confuso. A minha mãe continuou, com a voz a tremer:
— Quando eu estudava numa escola profissional no Porto, ele acabara de terminar a universidade. Amávamo-nos muito, mas os meus avós não aprovavam a nossa relação; diziam que ele não tinha futuro. Depois… o Afonso sofreu um acidente e perdemos todo o contacto. Eu pensei que tinha morrido…
Afonso suspirou, com as mãos a tremer:
— Nunca te esqueci, Leonor. Quando acordei no hospital, estava longe e não tinha forma de te contactar. Quando voltei, soube que já tinhas tido uma filha… e não tive coragem de me aproximar.
Senti o meu mundo a desmoronar-se. Cada palavra partia-me o coração.
— Então… a minha filha… — disse, sem fôlego.
A minha mãe olhou para mim, com a voz quebrada:
— Inês… és filha do Afonso.
O silêncio era absoluto. Só ouvia o vento a balançar as árvores do jardim. Afonso recuou um passo, os olhos vermelhos, as mãos caídas.
— Não… não pode ser… — sussurrou. — Eu não…
O meu mundo parecia vazio. O homem que eu amava, aquele que julguei ser o meu destino… era o meu pai.
A minha mãe abraçou-me, a chorar:
— Lamento… nunca imaginei…
Não disse nada. Deixei apenas que as lágrimas caíssem, salgadas e amargas como o destino.
Naquele dia, os três ficámos sentados por muito tempo. Já não era a apresentação de um namorado, mas o reencontro de almas perdidas há mais de vinte anos.
E eu… filha que encontrava o pai e perdia o primeiro amor, só consegui ficar em silêncio, deixando que as lágrimas continuassem a cair.
Na vida, por vezes, o destino escreve histórias que nenhum de nós conseguiria imaginar, ensinando-nos que o amor verdadeiro, mesmo quando se transforma, nunca desaparece.





