No dia do funeral de uma jovem, quatro homens não conseguiram levantar o caixão, e então a mãe da rapariga exigiu que fosse aberto. O céu estava pesado, a chuva fina molhava as pedras do cemitério de Lisboa, e o vento fazia balançar os ciprestes como se sussurrassem segredos. Tudo parecia normal, como em qualquer velório — até que oito homens se prepararam para carregar o caixão.
Era um caixão de carvalho escuro, polido, com puxadores dourados. Dentro, repousava a jovem Mariana Teixeira. A sua morte fora um choque para todos: bonita, inteligente, de sorriso fácil. Tinha apenas vinte e dois anos. Oficialmente, um acidente. Mas os rumores eram muitos. Uns diziam que a viram chorar na véspera, outros que ameaçara alguém. Ninguém sabia ao certo. A família pedira um funeral rápido.
Quando chegaram à cova, os homens seguraram as alças — e nada.
— Um, dois, três! — ordenou um deles.
O caixão mal se mexeu.
— Outra vez! — insistiu.
Os músculos rijos, os rostos rubros, mas o caixão parecia cheio de pedras.
— Mas que diabo… — resmungou um coveiro, enxugando a testa. — Pesa como se tivesse três corpos lá dentro!
Os homens trocaram olhares. Os convidados cochichavam:
— Isto não é normal…
— Já viram alguma coisa assim?
— Nunca.
Um dos funcionários da funerária murmurou:
— Já carreguei centenas de caixões. Até de homens grandes. Mas tão pesado, nunca. Isto… não devia ser possível.
Foi então que a mãe da rapariga, vestida de preto, com um olhar gelado, avançou.
— Abram — ordenou, sem hesitar.
— Tem a certeza? — alguém tentou protestar.
— Abram.
Os homens obedeceram, soltando os parafusos e levantando a tampa.
O que viram paralisou-os.
Mariana estava tranquila, de vestido branco, flores entre as mãos. O rosto, sereno. Mas o interior do caixão tinha um relevo estranho. Um dos homens levantou o forro — e todos recuaram.
Num compartimento oculto, envolto num plástico negro… estava o corpo de um homem. Maduro, com uma tatuagem no pescoço e marcas. O cheiro, ácido e doce, enchia o ar.
— Meu Deus… — um dos coveiros engasgou. — Há outro cadáver aqui!
— Isto… isto é crime — alguém sussurrou.
A mãe de Mariana baixou a cabeça.
— Não sei quem é. Ele… não devia estar aqui.
Os funcionários empalideceram.
— Impossível. Recebemos o corpo lacrado. Tudo devidamente fechado…
— Quem tratou do caixão? — perguntou um homem, afiado.
— Uma empresa privada. Pagamento em efectivo, através de um intermediário.
Alguém chamou a polícia.
Mais tarde, na esquadra, descobriram: o homem no caixão era o antigo contabilista de uma construtora, desaparecido há dias. A empresa estava sob investigação por fraude e branqueamento. Ele reunira provas para a acusação — e depois sumira.
A investigação revelou uma funerária falsa, documentos forjados, um caixão “técnico” encomendado com um objetivo claro.
Mariana foi enterrada, sim. Mas debaixo dela, alguém escondera o corpo de um homem que poderia falar demais.
Só uma pista restava: na fita preta, a marca de uma luva. Bastou.
A mãe de Mariana jurou até ao fim: não sabia de nada. E era fácil acreditar nela — mal sobrevivera à dor de perder a filha.
Mas alguém aproveitou-se dessa dor, dessa confusão… e decidiu que o melhor lugar para esconder um corpo era onde ninguém o procuraria: numa sepultura, sob outro.