Depois de deixar a amante no carro, Vítor Carvalho despediu-se com um beijo suave e seguiu para casa. Parou por um momento à porta do prédio, pesando mentalmente cada palavra que diria à esposa. Subiu as escadas e abriu a porta.
— Olá — cumprimentou Vítor. — Inês, estás em casa?
— Estou — respondeu a esposa, num tom indiferente. — Olá. Então, vou preparar os escalopes?
Vítor prometeu a si mesmo agir com firmeza — decidido, direto, como um homem! Era hora de pôr fim à vida dupla, enquanto ainda sentia o calor dos beijos da amante, antes que a rotina o engolisse novamente.
— Inês — Vítor limpou a garganta. — Vim dizer-te… que precisamos de nos separar.
A reação de Inês foi mais do que calma. Na verdade, era difícil tirar Inês Carvalho do sério. No passado, Vítor até a apelidara de “Inês de Gelo”.
— Ou seja, o quê? — perguntou Inês, parada à porta da cozinha. — Não faço os escalopes?
— Como quiseres — disse Vítor. — Se quiseres, faz; se não, não faças. Eu vou embora para estar com outra mulher.
Depois de uma declaração dessas, a maioria das mulheres atacaria o marido com uma frigideira ou faria um escândalo. Mas Inês não era como a maioria.
— Que tempestade num copo d’água — comentou. — Trouxeste as minhas botas da reparação?
— Não — Vítor hesitou. — Se é tão importante, posso ir agora buscar!
— Ai, pai… — murmurou Inês. — És sempre o mesmo, Vítor. Mandas-te o tolo buscar as botas, e ele traz as velhas.
Vítor sentiu-se ofendido. A conversa sobre o fim do casamento não estava a correr como imaginara. Onde estavam os gritos, as lágrimas, a indignação? Mas o que esperar de uma mulher apelidada de Inês de Gelo?
— Acho que não estás a ouvir, Inês! — exclamou. — Estou a dizer-te que vou embora, que te abandono por outra, e tu falas de botas?!
— Exatamente — respondeu Inês. — Ao contrário de mim, tu podes sair quando quiseres. As tuas botas não estão na reparação. Por que não vais já?
Viveram juntos durante anos, mas Vítor nunca conseguia perceber quando Inês estava a ironizar ou a falar a sério. No início, foi precisamente esse tom tranquilo, a ausência de conflitos e a discrição que o atraíram. Sem contar com a sua habilidade doméstica e as formas elegantes.
Inês era sólida, fiel e fria como um âncora de navio. Mas agora Vítor amava outra. Amava com paixão, pecado e doçura! Era hora de terminar tudo e seguir em frente.
— Portanto, Inês — disse Vítor, com um tom solene, pesaroso. — Agradeço-te por tudo, mas vou embora porque amo outra. A ti, já não amo.
— Que descoberta — respondeu Inês. — Não me ama, coitadinha de mim! Sabes, a minha mãe amava o vizinho. O meu pai amava o dominó e a aguardente. E olha, no fim, saí tão bem.
Vítor sabia que discutir com Inês era inútil. Cada palavra dela pesava como chumbo. O seu ímpeto inicial esvaiu-se, e já não lhe apetecia criar confusão.
— Inês, és realmente incrível — disse ele, amargamente. — Mas amo outra. Amo com paixão, pecado e doçura. E vou partir, entendes?
— Outra? Quem? — perguntou a esposa. — A Sara Mendes, não é?
Vítor recuou. Há um ano, teve um caso secreto com Sara, mas nunca imaginara que Inês a conhecesse!
— Como sabes dela? — começou ele, mas interrompeu-se. — De qualquer forma, não importa. Não é a Sara.
Inês bocejou.
— Então talvez seja a Joana Teixeira? Foste atrás dela?
Vítor sentiu um calafrio. Joana também tinha sido sua amante, mas isso ficara no passado. Se Inês sabia, por que não falou? Ah, sim… ela era uma rocha.
— Erraste — disse ele. — Não é a Joana nem a Sara. É outra, uma mulher maravilhosa, o auge dos meus sonhos. Não consigo viver sem ela. E não me tentes convencer do contrário!
— Então deve ser a Cláudia — concluiu Inês. — Ai, Vítor, Vítor… que cabeça oca. Pensas que é segredo? O “auge dos teus sonhos” é Cláudia Marques. Trinta e cinco anos, um filho, dois abortos… Certo?
Vítor agarrou a cabeça. Ela acertara em cheio! O seu caso era mesmo com Cláudia.
— Mas como? — balbuciou. — Quem me denunciou? Andaste a espiar-me?
— Elementar, Vítor — respondeu Inês. — Meu caro, sou ginecologista há anos. Já examinei metade das mulheres desta cidade, enquanto tu só conheceste uma fração. Basta-me um olhar para saber onde estiveste, seu pateta!
Vítor respirou fundo.
— Muito bem, acertaste! — declarou, tentando manter a postura. — Mas não muda nada. Vou mesmo embora.
— És mesmo tolo, Vítor — suspirou Inês. — Podias ter-me perguntado! Aliás, não há nada de especial na Cláudia, asseguro-te como médica. Já viste o histórico clínico da tua “sonho de consumo”?
— N-não… — admitiu ele.
— Pois! Primeiro, vai já tomar um duche. Depois, amanhã ligo ao Dr. Silva para te examinar no hospital — ordenou. — Aí conversamos. Que vergonha: o marido de uma ginecologista não consegue arranjar uma mulher saudável!
— E agora o que faço? — lamentou-se Vítor.
— Vou fazer os escalopes — disse Inês, virando-se. — Tu lava-te e faz o que entenderes. Se quiseres uma “sonho de consumo” sem doenças, avisa… posso recomendar.
No fim, Vítor percebeu que a verdadeira âncora da sua vida nunca fora o amor apaixonado, mas sim a mulher que conhecia cada segredo — até os seus.