**Dia 15 de Maio, 2024**
Cinco anos depois de perder a minha esposa, eu e a minha filha fomos ao casamento do meu melhor amigo. Mas o meu mundo desmoronou quando ele ergueu o véu da noiva. Enquanto a minha filha sussurrava: “Papá, por que estás a chorar?”, a noiva fixou os olhos em mim — e naquele instante, tudo desabou.
Nunca tinha planeado ir àquela festa. Foi o meu amigo João que me arrastou para lá, prometendo que isso me “tiraria da fossa onde estava”.
Tinha passado a semana a fazer turnos duplos na obra, e o meu corpo parecia ter músculos de cimento.
“Só uma hora”, disse o João, quase a empurrar-me pela porta de um apartamento no centro de Lisboa. “Depois podes voltar para casa e ser eremita outra vez.”
Engraçado como os maiores momentos da vida acontecem quando menos os esperamos.
A festa estava cheia de pessoas que pareciam nunca ter levantado nada mais pesado que uma taça de martini. Eu sentia-me fora do lugar, com os meus jeans gastos e a t-shirt desbotada.
Foi então que vi a Leonor.
Ela também não devia estar lá. Soube depois que só estava a entregar uma coisa a uma amiga.
Os nossos olhos encontraram-se no meio da sala, e algo se encaixou. Faíscas, conexão, como queiram chamar; eu sabia que a queria na minha vida.
“Quem é aquela?”, perguntei ao João, acenando discretamente na direção dela.
Ele seguiu o meu olhar e assobiou baixinho. “Leonor. Não percas tempo, homem. A família dela é dona de metade do Porto.”
Mas eu já estava a caminhar na direção dela.
Ela sorriu quando me aproximei, e aquele sorriso atingiu-me como um murro no peito.
“Sou o Miguel”, disse, estendendo a mão.
“Leonor”, respondeu, a voz suave mas firme. A mão dela era pequena na minha, mas o aperto era seguro. “Pareces tão à vontade aqui como eu me sinto.”
Passámos horas a conversar.
Ela não era o que eu esperava (nada de atitude de menina rica, só calor genuíno e curiosidade), e ao final da noite, sabia que estava em apuros.
“Os meus pais iam odiar-te”, disse ela enquanto a acompanhava até ao carro, o luar a brincar nos seus cabelos escuros.
“Isso é um problema?”, perguntei.
Ela olhou-me com aqueles olhos que pareciam ver através de mim. “Provavelmente. Mas acho que não me importo.”
Seis meses depois, estávamos casados. Os pais dela não apareceram no casamento. Cortaram relações completamente: sem herança, sem férias em família, nada.
Mas a Leonor apertou-me a mão e disse-me: “Não quero saber do dinheiro. Só quero a ti.”
Por um tempo, foi suficiente.
Mudámo-nos para um apartamento pequeno de dois quartos. Eu trabalhava na obra durante o dia e fazia cursos noturnos de design de arquitetura. A Leonor arranjou emprego numa galeria local. Éramos felizes, ou pelo menos eu achava que sim.
Depois nasceu a Matilde, e algo mudou.
O brilho nos olhos da Leonor começou a desvanecer. Ela começou a comparar a nossa vida com a que tinha deixado para trás.
“A minha colega de faculdade acabou de comprar uma casa de férias no Algarve”, comentou uma noite, enquanto comíamos esparguete à bolonhesa na nossa pequena cozinha. A Matilde dormia no berço ao nosso lado.
“Que bom”, respondi, sem levantar os olhos dos esboços que estudava.
“Ela convidou-nos para visitar. Tive de dizer que não podíamos pagar a viagem.”
Senti o fel das suas palavras. “Estamos bem, Leo. As coisas vão melhorar.”
“Quando?”, perguntou, a voz cortante. “Quando a Matilde entrar na universidade? Quando nos reformarmos? Estou farta de esperar pelo ‘melhor’, Miguel.”
As nossas discussões tornaram-se mais frequentes.
Ela odiava controlar as despesas e detestava a nossa vida humilde.
“Não foi para isto que me casei”, dizia.
Como se eu a tivesse enganado. Como se o amor pagasse as contas.
“Sabias quem eu era quando me casaste comigo”, lembrei-lhe numa discussão particularmente brutal.
“Talvez esse tenha sido o problema”, respondeu friamente. “Pensei que já terias alcançado mais.”
No dia seguinte, cheguei a casa mais cedo do trabalho, com um ramo de flores para a surpreender. O apartamento estava silencioso.
A mala da Leonor e todas as suas coisas tinham desaparecido.
No berço, encontrei um bilhete:
*Quero o divórcio. Lamento, mas o nosso casamento foi um erro. Deixei a Matilde com a Dona Margarida, do lado. Podes ficar com ela.*
Liguei-lhe cem vezes. Sem resposta. Fui até à mansão dos pais dela, desesperado.
O segurança não me deixou entrar.
“Não é bem-vindo aqui, senhor”, disse, quase com pena.
“Por favor, só preciso falar com a Leonor”, implorei.
“Senhor, vai ter de se retirar.”
Dois dias depois, chegaram os papéis do divórcio. A Leonor tinha renunciado aos direitos sobre a Matilde.
Os advogados do pai dela trataram de tudo com uma eficiência brutal.
Depois veio o golpe final.
Seis meses depois de ela partir, liguei uma última vez para casa dos pais dela.
“Ela morreu”, disse a mãe, a voz impassível. “A Leonor morreu num acidente de carro. Não ligue mais. Nunca significaste nada para ela.”
Desligou.
Caí no chão da cozinha, soluçando até a Matilde acordar a chorar também.
Nem sequer me deixaram ver o túmulo dela. Foi apagada da minha vida como se nunca tivesse existido.
Entreguei-me ao trabalho e a criar a Matilde. Terminei o meu curso e comecei a projetar casas, em vez de só construí-las. As pessoas repararam no meu talento.
Em três anos, já tinha a minha própria empresa. A Matilde cresceu, uma menina inteligente e feliz, a imagem da mãe.
Passaram-se cinco anos. A vida continuou, e a dor tornou-se apenas uma recordação distante.
Até que chegou o convite.
O Rui, meu melhor amigo de há alguns anos, ia casar. Tínhamos perdido algum contacto depois de ele se ter alistado no exército, mas agora queria-me no casamento.
“O que achas, Mati? Vamos ver o Tio Rui casar?”, perguntei à minha filha, enquanto ela coloria.
“Vai haver bolo?”, perguntou séria.
Ri-me. “Vai, sim. Um enorme e lindo.”
“Então vamos”, decidiu, voltando ao seu desenho.
O casamento foi num resort à beira-mar, tudo flores brancas e brisa do oceano. O Rui abraçou-me com força quando chegámos.
“Olha só para ti! Tão bem-sucedido”, disse, dando-me um soco amigável no braço. “E esta beleza deve ser a Matilde.”
A Matilde sorriu, tímida.
A cerimónia foi linda.
Os convidados encheram as cadeiras brancas na praia. A Matilde sentou-se ao meu lado, balançando os pés e brincando com a flor que lhe pus no cabelo.
A música começou, e todos se levantaram.
A noiva desceu o corredor com o véu cobrindo o rosto.
Depois veio o momento.
O Rui sorria quando ela se aproximou. Quando ela chegou ao altar, ergueu-lhe suavemente o véu.
Parei deDei por mim a olhar para o fantasma da minha ex-mulher, vestida de branco, e tudo o que senti foi alívio por finalmente entender que a vida que construí sem ela era a verdadeira felicidade.