— Mãe, por favor… — sussurrou Leonor.
— É preciso. Hoje vou dizer tudo. Sabem quanto custou a educação desta menina? Três empregos ao mesmo tempo. Renunciei a tudo o que faz uma mulher feliz. Economizei em roupas e sapatos para pagar explicadores. Pedi dinheiro emprestado para os estágios dela. E sonhava com uma coisa só — ouvir um “obrigada”.
A voz tremia, mas continuou:
— Mas em vez de gratidão, recebi vergonha.
O envelope branco, com arabescos dourados, repousava sobre a mesa, como a zombar da mulher que temia abri-lo.
Maria do Carmo deslizou os dedos pela superfície lisa. Sabia — dentro estava um texto que a faria sofrer. A filha ia casar-se, e a mãe soube por último.
O telefone tocou, cortante.
— Mãe, recebeste? — a voz de Leonor soava tensa, como um fio esticado.
— Recebi.
— Olha, há um pequeno problema. Disse a toda a gente que estás muito doente. À beira da… morte, digamos.
As mãos tremeram. O envelope escorregou, caiu no chão.
— Porquê?
— Como assim, porquê? — a irritação na voz afiou-se. — O João trabalha numa empresa importante, haverá pessoas influentes. Eles estão acostumados a um certo nível. E tu… bem, tu percebes.
Percebo. Quarenta anos como contabilista — não é nível. Três turnos seguidos para pagar explicadores — não é nível. Empréstimos para estágios no estrangeiro — também não é nível.
— Então, não vou?
— Claro que não vais! Como podes, se estás doente? — Leonor soltou uma risadinha. — As pessoas vão perguntar porque é que a mãe da noiva apareceu de repente. Ficaria estranho.
Estranho. Quarenta anos de maternidade — aceitável. Mas um lugar à mesa do casamento — estranho.
— Leonor, querida…
— Está decidido, mãe. É importante para o meu futuro. Para o futuro do João e meu. Não me forces a escolher entre ti e o meu marido.
O som da chamada cortada.
Maria do Carmo apanhou o envelope, finalmente abriu-o.
Um convite elegantíssimo, letras douradas:
“Leonor e João convidam-no(a) para partilhar a sua alegria…” Amanhã, sete da tarde. Restaurante “Mar de Prata”.
Aproximou-se da janela. No pátio, a vizinha Amélia regava as flores. Aquela também tinha uma filha — ligava todos os dias, visitava com os netos, pedia conselhos sobre tudo.
Maria do Carmo sentiu, por um instante, o peso da inveja.
O telefone tocou de novo.
— Maria do Carmo? É a Lurdes, do trabalho. A Leonor disse que estás muito mal. Queres que chame um médico?
O coração apertou-se. A filha já tinha espalhado a mentira, garantindo que ninguém veria a mãe da noiva, sã e salva.
— Obrigada, Lurdes. Vou descansar.
— Coragem. E dá os parabéns à Leonor, se puderes.
Após a chamada, ficou a olhar para uma fotografia antiga. Leonor, universitária, num vestido que ela costurara até altas horas.
Na altura, a filha abraçara-a forte, murmurado: “Mamã, amo-te tanto.”
Amava. Até se tornar bem-sucedida.
— Mãe, porque insistes nessas festas? — dizia Leonor ultimamente. — Vais ficar entediada.
Gente moderna, assuntos relevantes. Melhor ficares em casa a descansar.
Em casa. Sozinha. Para não envergonhar a filha bem-sucedida.
Na manhã seguinte, Maria do Carmo acordou cedo, tomou o pequeno-almoço com calma. Refletiu, levantou-se e dirigiu-se ao armário.
O único vestido elegante pendia no cabide — azul-marinho, discreto.
Passou a mão pelo tecido. Porque seria inferior? Não se vestia pior que as amigas de Leonor, nem era menos inteligente. Apenas… desactualizada.
Imaginou o serão. O restaurante, os convidados, os discursos. Os noivos — belos, radiantes.
E ninguém perguntaria onde estava a mãe da noiva. Todos sabiam: doente. À beira da… morte.
Maria do Carmo pegou no telefone, marcou o número de um táxi.
— Preciso ir ao centro. À loja “Brisa”.
— Em quinze minutos lá estamos.
Vestiu-se, maquilhou-se. No espelho, outra mulher olhava para ela. Não cansada, não invisível. Digna.
Na loja, mostraram-lhe vários vestidos. Escolheu um esmeralda — a cor rejuvenescNo dia do casamento, Maria do Carmo entrou no restaurante vestida de esmeralda, e quando Leonor a viu, caiu de joelhos chorando, pedindo perdão, enquanto os convidados silenciavam sob o peso daquela verdade que a filha tentara esconder.