A grande lâmpada de cristal brilhava sob a luz do sol da manhã, lançando reflexos dourados sobre o chão de mármore. Mariana rodopiava descalça, seu avental branco subia no ritmo dos passos. Na mão, segurava uma colher de pau, como se fosse um microfone, cantando para um público imaginário. O silêncio do palacete lhe dava uma rara liberdade—para sonhar, fingir, esquecer que era apenas uma simples empregada num mundo alheio.
Não ouviu a pesada porta de carvalho fechar-se atrás dela. O ar cortou-se com uma voz grave:
— Divertindo-se?
Mariana congelou no meio do pirueta. O coração afundou. Seus olhos encontraram a silhueta alta no vão da porta—Afonso Mendes. O próprio Afonso Mendes. O bilionário recluso, dono de metade dos imóveis da cidade, conhecido pela frieza. Vestia um terno preto sob medida, olhos cinzentos como aço, mandíbula apertada. Com sua simples presença, fazia qualquer sala emudecer.
O rosto de Mariana ardeu.
— Eu… eu apenas… — gaguejou.
— Dançando? — interrompeu ele, sem rastro de sorriso.
Seus dedos se enrolaram na colher de pau.
— Perdão, senhor. Não ouvi sua chegada. Voltarei ao trabalho.
Mas Afonso não se moveu. Aproximou-se devagar, como um predador, até ficar a poucos passos dela.
— Não recordo de tê-la contratado para performances. Ou essa é sua maneira habitual de limpar o pó?
A vergonha de Mariana virou irritação.
— Com todo o respeito, senhor, foi apenas um breve descanso. Não se repetirá.
Afonso inclinou a cabeça, estudando-a como se fosse um novo investimento. Então, inesperadamente, pegou o telefone. O estômago de Mariana torceu-se. O que faria? Despedi-la? Filmar? Chamar a governanta?
Ele apertou um botão.
Uma melodia ecoou na sala—um jazz suave, fluindo de um piano automático no canto.
— O que o senhor está fazendo? — sussurrou Mariana.
— Dance — respondeu ele, simplesmente.
Ela riu nervosamente.
— Senhor, eu não…
— Não é um pedido.
A voz era serena, mas algo brilhou em seus olhos—curiosidade… quase um jogo. Mariana hesitou. Cada fibra do seu corpo pedia recusa. Mas outra parte—aquela rapariga rebelde que um dia fora—ergueu o queixo.
Deu um passo atrás e começou a dançar, agora ao som da música.
Afonso permaneceu em silêncio. Observava-a com intensidade, concentrado, seu olhar indecifrável. Mariana rodopiava, o avental esvoaçando, os pés descalços deslizando sobre o mármore frio. Quando a música cessou, ela parou, ofegante.
— Satisfeito, senhor Mendes? — perguntou, com leve provocação.
Ele não respondeu imediatamente. Depois, disse secamente:
— Está contratada.
— Eu já trabalho aqui — retrucou, confusa.
— Mas não como minha empregada pessoal.
Seus olhos se arregalaram.
— Pessoal…?
Ele assentiu.
— A partir de amanhã. Apenas meus aposentos, refeições, agenda. Salário triplicado.
Mariana quase tropeçou. Por que ela?
— Porquê… eu? — murmurou.
Os lábios do bilionário quase esboçaram um sorriso—tão sutil que ela duvidou se realmente o vira.
— Porque não se assusta tão facilmente.
E, sem mais palavras, saiu, deixando Mariana sozinha no salão, com a colher de pau nas mãos, completamente atordoada.
Os dias seguintes foram longe do comum. Ser empregada pessoal de Afonso Mendes era… peculiar. Numa manhã, frio e autoritário; noutra, quase… humano.
No segundo dia, enquanto preparava o café da manhã, ele entrou na cozinha.
— Sempre canta ao cozinhar?
Ela parou.
— Nem noto.
— Não pare.
E ele sentou-se no balcão, tomando café enquanto ela batia os ovos, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Ao fim da semana, ela aprendera algumas coisas sobre ele: detestava conversa fiada. Percebia tudo. Trabalhava até exaustão e mal dormia. E, apesar da frieza, nunca gritara com ela. Nunca a humilhara, como fazia com outros.
E, às vezes—muito raramente—ela captava aquele mesmo olhar enigmático do primeiro dia.
Até que chegou a noite que mudou tudo.
A cidade foi tomada por uma tempestade. Os lampiões refletiam-se nas ruas molhadas. Enquanto arrumava o escritório de Afonso, uma pasta de couro caiu da estante. Os papéis espalharam-se pelo chão. Ela abaixou-se para juntá-los, mas um documento fez seu sangue gelar.
Não era um contrato.
Era uma fotografia.
Uma jovem sorridente, sob o sol do verão, segurava uma colher de pau como um microfone.
O ar faltou a Mariana.
Aquela mulher… era como seu próprio reflexo.





