Amor sobre rodas: motociclistas se revezam por meses para confortar criança em fim de vida6 min de lectura

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Quarenta motociclistas se revezaram segurando a mão de uma menininha à beira da morte por três meses, para que ela nunca acordasse sozinha no hospício.

Suas últimas palavras antes que o câncer levasse sua voz foram: “Eu queria ter um pai como você” para João Grande, um motoqueiro de 150 quilos, com lágrimas tatuadas no rosto, que entrou em seu quarto por acidente, procurando o banheiro.

Aquele passo em falso mudou tudo – não só para Leonor, abandonada no hospital por pais que não suportavam vê-la morrer, mas também para cada motociclista endurecido pela vida, que passaria os próximos noventa e três dias garantindo que aquela criança soubesse o que era amor antes de partir.

João Grande estava visitando seu próprio irmão moribundo naquele primeiro dia, caminhando pelos corredores estéreis do Hospício da Santa Luz, quando ouviu um choro vindo do quarto 117. Não o choro comum de uma criança doente, mas soluços profundos de quem havia perdido toda esperança.

“Você está perdido, senhor?” perguntou ela quando ele espiou para dentro, sua cabeça careca refletindo a luz fria do hospital.

“Talvez,” ele admitiu, olhando para aquela criaturinha perdida numa cama de adulto. “E você?”

“Meus pais disseram que já voltavam,” sussurrou ela. “Isso foi há vinte e oito dias.”

As enfermeiras contaram a verdade depois. Os pais de Leonor haviam entregado a guarda para o Estado e sumido. Não aguentaram a deterioração, as contas hospitalares, a realidade de ver a filha definhar. Ela tinha talvez três meses de vida, provavelmente menos.

“Ela pergunta por eles todos os dias,” disse a enfermeira-chefe, Ana, baixinho. “Acha que estão só no trabalho, ou comprando comida, ou presos no trânsito.”

João voltou ao quarto 117 naquela noite. Leonor estava acordada, encarando o teto, agarrada a um ursinho de pelúcia desgastado.

“Seu irmão está bem?” ela perguntou, lembrando por que ele estava ali.

“Não, querida. Não está.”

“Eu também não,” disse ela, com naturalidade. “Os médicos acham que eu não entendo, mas eu entendo. Estou morrendo.”

A forma como disse, tão calma para seus sete anos, partiu algo em João.

“Você está com medo?” perguntou ele.

“Não de morrer,” respondeu. “De morrer sozinha.”

Naquela noite, João ligou para seu clube de motociclistas, os Lobos de Ferro. Vinte e cinco irmãos e quinze irmãs, todos marcados pela vida, carregando suas próprias dores.

“Tem uma menininha,” ele começou, engasgando. “Sete anos. Morrendo. Os pais a abandonaram. Ela não tem ninguém.”

“O que você precisa?” perguntou Caveira, o presidente do clube.

“Tempo. Só… tempo. Alguém para ficar com ela. Se revezar. Ela tem talvez três meses e está aterrorizada de ficar sozinha.”

“Feito,” disse Caveira, sem hesitar. “Começamos amanhã.”

O que se seguiu foi algo que a equipe do hospício nunca havia visto. Motociclistas de couro, alguns com fichas criminais, outros com passados violentos, sentados em silêncio ao lado da cama de uma criança moribunda. Lendo histórias, brincando de bonecas, pintando suas unhinhas de preto porque ela queria “parecer durona como eles.”

Fizeram um esquema de turnos. Duas horas cada, vinte e quatro horas por dia. Leonor nunca mais acordaria sozinha.

Lobo, um ex-fuzileiro com TEPT tão severo que mal conseguia dormir, pegava o turno das 2h às 4h. Cantava para ela canções suaves que sua avó lhe ensinara, em espanhol.

“Você tem uma voz bonita pra alguém tão assustador,” Leonor disse uma vez.

“Você também é bem assustadora, pequena guerreira,” ele respondeu, fazendo-a rir.

Rosa, que perdera a própria filha anos atrás, trazia livros de colorir e passava horas criando mundos onde pais nunca iam embora e meninas cresciam para pilotar motos.

“De que cor deve ser a minha moto quando eu crescer?” perguntou Leonor um dia.

Rosa teve que sair para chorar antes de responder: “Roxa com chamas prateadas. Sem dúvida.”

À medida que Leonor enfraquecia, os motociclistas ficavam mais criativos. Trouxeram tablets para que ela “andasse” com eles em vídeos de suas viagens. Usavam chapéus engraçados para fazê-la rir quando a dor apertava. Aprenderam a trançar o pouco cabelo que lhe restava, essas mãos calejadas sendo absurdamente delicadas.

A princípio, a equipe do hospital desconfiou. Quem eram aquelas pessoas? Por que se importavam?

Mas viram Leonor se transformar. Ela parou de chorar pelos pais. Voltou a sorrir. Tinha motociclistas favoritos, piadas internas, um vocabulário de termos de moto que usava errado só para fazê-los rir.

“Essa comida de hospital é uma verdadeira Harley,” ela dizia, querendo dizer que era ruim. Não fazia sentido, mas os deixava em cólicas de rir.

Cerca de dois meses depois, Leonor fez uma pergunta que assombrou João:

“Se você pudesse ser meu pai, seria?”

“Num piscar de olhos, minha filha.”

“Mesmo eu sendo quebrada?”

“Você não é quebrada. Só está num caminho diferente das outras crianças.”

“Um caminho mais curto,” ela corrigiu, sábia além dos anos.

“Talvez. Mas vamos fazer dele o melhor caminho que alguém já percorreu.”

Os motociclistas não só ficaram com ela. Tornaram-se seu mundo. Celebraram o Natal em outubro, pois ela talvez não chegasse a dezembro. Quarenta motos no estacionamento, rugindo enquanto ela assistia da janela, fraca demais para sair.

Fizeram o Halloween antecipado também. Todos vestidos de forma ridícula – Caveira veio de princesa fada, asas e tudo, a barba coberta de glitter. Leonor riu tanto que precisou de oxigênio extra.

Criaram um “clube de motoqueiros” só para ela: “As Rodas da Leonor.” Fizeram-lhe um colete de couro minúsculo, com patches. Até de presidente.

“Eu sou a chefe de todos vocês agora,” ela anunciou, usando-o sobre o roupão do hospital.

“Sim, senhora,” responderam quarenta motociclistas em uníssono.

Em novembro, Leonor piorou. Os turnos mudaram de diversão para conforto. Em vez de brincar, seguravam sua mão. Em vez de piadas, sussurravam promessas de que ela não estaria só.

Os pais nunca voltaram. Nem uma vez. Mas Leonor parou de perguntar por eles.

“Eu tenho vocês,” disse ela, olhando para os motoqueiros que enchiam seu quarto. “Isso é melhor.”

No dia 15 de novembro, Leonor deu uma piorada. Os médicos disseram: horas, talvez um dia. O clube inteiro apareceu. Quarenta motociclistas num quarto de hospício feito para duas pessoas. A equipe nem tentou impor horários.

Leonor estava consciente, mas não falava mais. Seus olhos percorriam cada rosto, reconhecendo todos. João segurava sua mão direita. Rosa, a esquerda.

“Estamos todos aqui, pequena,” João sussurrou. “Cada um de nós. Você não está sozinha.”

Ela apertou sua mão fracamente.

Contaram histórias. Sobre as viagens que fariam juntos quando ela melhorasse – mesmo sabendo que não melhoraria. Sobre aE quando o sol se pôs no horizonte, Leonor partiu em silêncio, cercada por quarenta almas que juraram jamais deixá-la esquecer que, mesmo em sua breve jornada, ela fora infinitamente amada.

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