A Menina que Salvou um Lobinho e Anos Depois Foi Salva por Ele

Nas profundezas da região de Beira Alta, onde os bosques sussurram contos e os rios tecem padrões de prata, escondia-se a aldeia de Montenovo. As suas ruas, como ossos antigos, secaram sob o sol do tempo. Os jovens há muito partiram para as cidades, como água por fendas, deixando apenas viúvas idosas — aquelas cujos corações batiam no ritmo dos sinos da capela abandonada. Tinham mais de setenta, alguns até oitenta anos, mas os seus olhos, como brasas em cinzas, ainda guardavam uma centelha de vida. Raramente, no calor de julho, chegavam os netos — rosados, com gritos e malas cheias da agitação urbana.

Entre eles estava Mariana — uma menina com cabelo da cor do trigo maduro e olhos que refletiam a profundidade dos lagos de montanha. Os pais, médicos de Lisboa, enviavam-na todos os verões à avó Beatriz Almeida, certos de que o ar de Montenovo, impregnado do cheiro de alecrim e amoras, a fortaleceria como um carvalho. A casa de Beatriz ficava na borda da aldeia, onde os campos cediam lugar a um bosque denso. Na quinta, só havia a vaca Maria, galinhas de crista colorida e a velha gata Negrinha, cujas cicatrizes no focinho contavam histórias de batalhas com raposas.

Mas certa manhã, quando o orvalho ainda não se evaporara, Negrinha trouxe do bosque um pacote trêmulo entre os dentes. Beatriz, enxugando as mãos no avental, exclamou:
— Meu Deus, mas isto é um rato!
Mariana, ajoelhando-se, viu — por baixo do pelo negro, patas rosadas, e olhos ainda fechados, como duas pérolas minúsculas.
— Avó, não é um rato! É… um lobito!
E era verdade: pequeno, quase sem vida, comportava-se como um gatinho, agarrando-se à palma da menina com as garras. Negrinha, orgulhosa, arqueando o lombo, ronronava como se o tivesse parido. Descobriu-se que o encontrara no bosque — talvez abandonado, ou levado por uma tempestade. Às vezes, os gatos confundem lobitos com os seus, oferecendo-lhes maternidade sem perceber que criam um predador.

— Vamos ficar com ele, avó! — suplicou Mariana, apertando o bichinho ao peito. — Eu vou alimentá-lo, passear com ele… Ele não magoa ninguém, juro!
Beatriz suspirou, observando a neta, cujas faces coravam de alegria. Como negar algo a quem vê o mundo como um presente?

Assim entrou na casa o Veloz — nome que Mariana inventou, ouvindo o vento cantar nos pinheiros. Alimentava-o com mamadeira, enrolava-o num xale, e Negrinha ensinava-o a saltar para o muro e a limpar o focinho com a pata. Veloz crescia, imitando os costumes felinos: dormia enrolado em bola, ronronava quando acariciado e até tentava caçar borboletas. Mas, a cada dia, despertava nele a natureza lobuna — o pelo engrossava, o olhar aguçava-se, e os passos tornavam-se silenciosos.

Quando Mariana fez dezasseis anos, já não conseguia viver longe de Montenovo. Os pais não permitiam levar Veloz para o apartamento em Lisboa, mas ela visitava a avó uma vez por mês, às vezes mais. O lobo, agora um animal alto e imponente, de pelagem prateada, esperava-a no portão como se soubesse o horário do autocarro. Não ladrava nem rosnava — apenas apoiava a cabeça no seu colo, e ela contava-lhe da escola, dos sonhos, da pressão da cidade, como se fosse uma tampa de ferro.

Certa noite de julho, quando o sol derretia o horizonte em ouro, Mariana voltava da vila mais próxima. O autocarro, um velho Caetano, parou a meio da estrada esc— Avariou — resmungou o motorista. — Anda a pé, falta pouco até Montenovo.

Ela não se assustou; conhecia aquele bosque como a palma da mão. Mas quando as luzes da aldeia já brilhavam ao longe, um rugido de motor ecoou atrás dela. Um jipe preto, sombra na escuridão, surgiu de repente, e dele saltou um rapaz de camisa amarrotada, o hálito pesado de álcool.

— Anda, levo-te — rouquejou, agarrando-lhe o pulso antes que pudesse recuar.

Ela tentou fugir, mas ele empurrou-a para dentro, sufocando-lhe os gritos. Quando o jipe se meteu por um caminho florestal, Mariana conseguiu escapar, correndo até os espinhos lhe rasgarem a pele — mas ele alcançou-a, os dedos a cerrar-lhe o pescoço… até que, das sombras, irrompeu um relâmpago prateado.

Veloz.

O lobo arremessou-se contra o homem como um furacão, os caninos cravando-se no seu braço, atirando-o contra uma árvore. O rapaz gritou, mas Veloz não parou, rasgando-lhe a roupa, os dentes à procura da garganta — só escapou porque, no último instante, se enfiou no jipe e desapareceu na noite.

Mariana tremia, abraçada ao pescoço de Veloz, onde o cheiro a pinheiro e terra a acalmou.

— Salvaste-me… — sussurrou, afundando os dedos naquela pelagem quente. Ele lambeu-lhe as lágrimas, salgadas como o mar.

Na manhã seguinte, Beatriz, ouvindo a história, persignou-se três vezes.

— Ele não é lobo — disse, fitando o animal que não se afastava de Mariana. — É um anjo em pele de lobo.

Desse dia em diante, em Montenovo, dizia-se que se ouvissem um uivo prateado no bosque, era melhor correr. Mas se um lobo silencioso guardasse uma casa, sabiam: ali morava alguém que a escuridão não ousava tocar. E Mariana, já professora, levava livros e crianças à aldeia, para que nunca esquecessem — há ainda lugares onde o bem vence o medo.

Todas as noites, quando o sol mergulhava no horizonte, Veloz deitava-se à porta, protegendo o sono daquela que um dia lhe chamara “casa”.

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