**O Rio da Vingança**
Vinte anos atrás, sob um sol pálido de manhã, uma jovem chamada Leonor estava na ponta da Ponte do Tejo, olhando para as águas turvas e impiedosas do rio abaixo. Tinha dezanove anos, o coração pesado pela perda do pai, mas grata pela mulher que a criara desde os doze: a madrasta, Joana Mel. Naquele dia, Leonor confiava em Joana sem reservas, sem imaginar que essa confiança seria destruída num ato de traição cruel.
O pai de Leonor fora um homem rico, deixando três prédios e uma próspera empresa de construção. No testamento, deixou tudo para Leonor, com Joana como tutela até ela completar vinte e um anos. Durante sete anos, Joana interpretou a madrasta perfeita—cozinhando os pratos favoritos de Leonor, penteando-lhe o cabelo, apoiando os seus sonhos. Mas por trás dos sorrisos afáveis, a inveja e a ganância fermentavam. À medida que o aniversário de Leonor se aproximava, o medo de Joana de perder o controlo sobre a fortuna tornou-se numa obsessão perigosa.
Naquela terça-feira fatídica, Joana sugeriu um passeio para visitar a tia de Leonor. A manhã parecia estranha—os movimentos de Joana eram muito calculados, os sorrisos, forçados. Mesmo assim, Leonor aceitou, confiando na mulher que fora a sua família por tanto tempo. A viagem foi preenchida por conversas leves sobre o futuro de Leonor e os planos para a empresa. Mas quando atravessaram a Ponte do Tejo, Joana parou o carro, alegando um barulho estranho no motor. Saíram, o vento do rio a assobiar em volta delas.
Na beira da ponte, Leonor sentiu um arrepio. De repente, a voz de Joana tornou-se cortante, as palavras carregadas de veneno: “Achas que mereces tudo o que o teu pai construiu? Achas que és melhor do que eu por causa do teu sangue? Eu também trabalhei por esta vida. Sacrifiquei-me. Não vou deixar que uma criança mimada leve tudo.” Antes que Leonor pudesse reagir, sentiu as mãos de Joana a empurrá-la violentamente. O mundo girou, a ponte desapareceu acima dela enquanto caía nas águas negras e geladas.
O rio não teve misericórdia. Leonor lutou para alcançar a superfície, os pulmões a arder enquanto a água salobra os enchía. Antes de a escuridão a levar, viu o rosto de Joana lá em cima, distorcido em satisfação. Quando acordou, já eram três dias depois, numa pequena aldeia piscatória. Um velho pescador, o Zé Maria, encontrara-a quase morta, e a esposa, a Dona Celeste, cuidara dela. Leonor fingiu não se lembrar de nada, e o casal chamou-lhe “Bela”, significando “sortuda”. Mas na verdade, Leonor lembrava-se de tudo. Simplesmente não estava pronta para voltar.
Durante cinco anos, Leonor—agora Bela—viveu com os pescadores. Aprendeu o valor do trabalho duro, ajudando na venda do peixe e encontrando conforto numa vida simples. Mas todas as noites, os pensamentos sobre Joana queimavam na sua mente. Questionava-se que mentiras Joana teria contado sobre o seu desaparecimento, o que teria acontecido à sua herança, como a sua memória estava a ser apagada.
Através de discretas investigações, Bela descobriu que Joana a declarara desaparecida após um suposto sequestro. A polícia procurou-a durante semanas, mas sem rasto, Leonor foi declarada morta. Joana herdou tudo, realizando um funeral dramático com um caixão vazio e espalhando pela vizinhança que Leonor fugira depois de roubar a família. A mentira espalhou-se, destruindo a reputação de Leonor.
À medida que a dor se transformava em determinação, Bela começou a trabalhar com uma organização de apoio jurídico, aprendendo sobre leis de propriedade e heranças. Poupança a poupança, construiu um pequeno negócio vendendo peixe a restaurantes na cidade. Nos sete anos seguintes, contratou um detetive particular para investigar Joana. As descobertas eram revoltantes: Joana vendera dois prédios, vivia extravagantemente e apagara todas as memórias de Leonor da casa da família.
A raiva de Bela transformou-se num plano de justiça. Estudou gestão, fraude financeira e começou a reunir provas. Descobriu que Joana não só roubara a sua herança, como também escondia dinheiro em contas no estrangeiro e defraudava o fisco. No décimo ano de exílio, Bela fundou uma pequena empresa de construção sob a nova identidade, mirando projetos perto dos negócios de Joana. Os anos difíceis mudaram-na: estava magra, forte, os olhos cheios de segredos. Quando finalmente se encontraram numa conferência de negócios, Joana não a reconheceu. Estava tão confiante, a ostentar joias que pertenceram ao pai de Leonor, tratando Bela como apenas mais uma competidora.
Isso disse tudo a Bela: Joana não sentia culpa nem medo—tinha esquecido o crime. Nos cinco anos seguintes, Bela fortaleceu a empresa e o caso. Reconectou-se com os velhos amigos do pai, semeando dúvidas sobre a sua suposta morte e as histórias de Joana. Nessa altura, descobriu uma verdade arrepiante: Joana fora casada duas vezes antes do pai de Leonor. Os maridos morreram em circunstâncias suspeitas, depois de alterarem os testamentos a favor dela. A polícia investigara, mas nunca encontrara provas.
Agora, Bela percebeu que não procurava apenas vingança—ela caçava uma predadora. Contactou as famílias dos ex-maridos de Joana, partilhando as provas. Juntas, construíram um caso que expunha não só roubo, mas um padrão de assassinatos ao longo de décadas. No décimo quinto ano de exílio, Bela estava pronta. Tinha uma empresa de sucesso, uma pasta repleta de provas e uma rede de aliados. Mas também tinha algo inesperado: paz. A menina mimada que caíra da ponte desaparecera. No seu lugar, estava uma mulher que conquistara cada respiro.
Numa manhã chuvosa de quinta-feira, exatamente vinte anos após a traição, Bela entrou no escritório da empresa de Joana. Vestia um simples vestido preto e levava uma mala com duas décadas de provas. A rececionista anunciou-a como uma potencial parceira de negócios. Joana fezJoana olhou para Bela com um sorriso torto e disse: “Afinal, a correnteza do rio devolveu-te a mim, mas desta vez, eu vou garantir que não escapas”—mas mal acabou a frase, as portas do escritório abriram-se, e os agentes da PJ entraram, pondo fim a vinte anos de mentiras e impunidade.





