O relógio na parede do corredor tocava suavemente, ecoando pela mansão imponente. O silêncio da noite era quebrado apenas por um som quase imperceptível—soluços abafados, que desciam pela escadaria como murmúrios.
Inês Almeida, de vinte e sete anos, parou no meio do degrau. Estava a caminho do pequeno quarto dos criados, no fundo da propriedade. Mas agora ficou imóvel, os ouvidos atentos.
Eram três da manhã. E o choro vinha, mais uma vez, do quarto de Matilde Sousa.
Há duas semanas, Inês trabalhava na mansão dos Sousa, substituindo sua irmã mais velha, Catarina, que adoeceu durante as férias anuais. Os Sousa eram uma das famílias mais ricas da cidade. Eduardo Sousa, o patriarca, era um empresário bilionário, casado novamente após o divórcio, e raramente estava em casa, exceto em breves fins de semana. A filha, Matilde, de catorze anos, vivia na mansão com ele e a noiva, Joana.
O acordo parecia simples quando Inês aceitou: limpar em silêncio, passar despercebida e não ultrapassar limites. O salário era excepcional—muito mais do que Inês poderia ganhar no seu bairro humilde. Os filhos de Catarina, Mariana, de catorze anos, e o pequeno Vicente, de seis, dependiam desse dinheiro.
Mas ninguém a avisou sobre as noites. Noites em que Matilde ficava sozinha na mansão ecoante enquanto o pai e Joana viajavam. Noites em que os seus soluços abafados percorriam o corredor, impedindo Inês de dormir.
Inês dizia a si mesma para ignorar. Não fora contratada para ser conselheira. Mas naquela noite, os soluços pareciam mais intensos, desesperados.
Com um suspiro, Inês endireitou os ombros, caminhou em silêncio pelo corredor e parou diante da porta de Matilde.
Hesitou, lembrando-se do aviso severo de Catarina: “Nunca se mostre. Nunca se envolva com a família. Mantenha a cabeça baixa.”
Mas a consciência falou mais alto. Bateu à porta suavemente.
Nenhuma resposta—após o som do choro contido.
Inês empurrou a porta e entrou.
O quarto estava escuro, iluminado apenas por uma luz de presença em forma de estrela. Matilde sentou-se na cama, assustada.
“O que estás a fazer aqui?!” gritou a menina, agarrando uma almofada e atirando-a. “Sai! Chamo a segurança!”
Inês apanhou a almofada com facilidade, devolveu-a à cama e cruzou os braços. “É impossível dormir nesta casa”, disse. “Alguém está sempre a chorar. Queres explicar porquê?”
“Como te atreves! Vou dizer ao meu pai—és despedida!” berrou Matilde, a voz trémula entre raiva e pânico.
“Então que ele me despeça”, retorquiu Inês. “Mas diz-me, Matilde—o que é tão terrível? O teu pai esqueceu-se de comprar a pulseira de diamantes certa? Ou a manicura ficou manchada?”
Os olhos de Matilde encheram-se de lágrimas. “Não percebes nada! Se soubesses o quanto eu sofro!”
“Ah, acredito”, disse Inês, secamente. “Deve ser horrível—ter um motorista para todo o lado, viver num palácio como este.”
Matilde pestanejou, confusa. “Por que seria isso terrível?”
Inês suavizou o tom. “Quando tinha a tua idade, eu e as minhas amigas íamos a pé da escola, parávamos para um gelado, nadávamos no rio. Não tínhamos muito, mas pelo menos tínhamos uma às outras. E tu? Tens amigos que te visitam?”
Os lábios de Matilde tremiam. Ela abanou a cabeça.
“Nenhum?”, perguntou Inês, surpresa.
“Nem um. Tinha mãe uma vez”, sussurrou Matilde. “Mas depois do divórcio, ela… desapareceu. O meu pai mandou-me estudar para o estrangeiro. Fiquei doente e ele trouxe-me de volta. Agora sou só eu.”
Inês sentou-se na borda da cama. “Por que não vives com a tua mãe?”
Os olhos de Matilde baixaram. “Ela não me quer. Tem uma família nova agora—um marido, crianças pequenas. O meu pai disse-me.”
O coração de Inês apertou. Lembrou-se da sua própria infância, de momentos em que também se sentira esquecida. As palavras escaparam-lhe antes que pudesse pará-las: “Que coisa horrível para um pai dizer. Nenhum homem decente diria algo assim ao próprio filho.”
E então—
Uma voz profunda e autoritária cortou o ar.
“Estás a falar de mim?”
Ambas congelaram.
Eduardo Sousa estava na porta, alto, de ombros largos, a expressão impenetrável.
Matilde soltou um suspiro e puxou o cobertor sobre a cabeça. “Pai—já voltaste?”
O olhar de Eduardo voltou-se para Inês. “Quem és tu, e o que fazes no quarto da minha filha?”
“Sou a empregada”, balbuciou Inês. “Só queria ver se ela estava a dormir.”
“Foste avisada das regras”, disse Eduardo, friamente. “Não deves entrar no quarto dela. Se ouvires algo, ligas à Sra. Cardoso. Não te metas.”
“Sim… fui avisada”, murmurou Inês, olhando para Matilde, que permanecia imóvel debaixo do cobertor.
“Estás dispensada”, disse Eduardo, sem emoção. “Faz as malas. Estás despedida.”
O coração de Inês acelerou. Despedida? Assim, sem mais? A sua família precisava desesperadamente daquele dinheiro. Mas, mais do que isso, olhou para os olhos assustados de Matilde e algo dentro dela revoltou-se.
“Está bem”, disse Inês, calmamente. “Despeça-me. Mas antes—olhe para a sua filha. Percebe que ela chora todas as noites? Que se sente sozinha nesta casa enorme? Que acha que a mãe a abandonou porque o senhor disse isso?”
“Chega”, rosnou Eduardo, o maxilar tenso.
A voz abafada de Matilde rompeu o silêncio: “Pai… é verdade? A mãe não me quis? Ou… foste tu que disseste isso?”
O silêncio era pesado. Por um momento, Eduardo pareceu quase humano—os ombros curvados, os olhos sombrios.
Finalmente, disse com voz rouca: “Volta a dormir, Matilde. Falamos de manhã.”
Virou-se e saiu do quarto.
Inês ficou junto à porta, dividida entre ir e ficar. A mão de Matilde esticou-se, agarrando a sua manga.
“Por favor”, sussurrou Matilde. “Não vás.”
Inês ficou com ela até a menina adormecer, exausta de tanto chorar. Afastou um fio de cabelo do rosto de Matilde e murmurou: “Não estás sozinha. Lembra-te disso.”
Na manhã seguinte, Inês esperava ser expulsa da propriedade. Fez as malas e esperou na cozinha dos funcionários.
Mas, em vez de um segurança, foi Eduardo quem entrou.
Parecia diferente à luz do dia: menos intimidante, mais cansado. Pousou uma pasta no balcão.
“Fui duro ontem à noite”, admitiu. “Ultrapassaste limites, sim. Mas talvez fossem limites que precisavam de ser quebrados.”
Inês pestanejou, surpreendida.
Ele continuou: “Estive a proteger a Matilde da mãe. Não porque a mãe não se importe, mas porque… não queria que ela visse a verdade complicada. Pensei que fosseCom os dias que se seguiram, enquanto o sol se punha sobre as colinas de Sintra, Inês e Matilde sentavam-se no jardim, partilhando histórias e risadas, encontrando uma na outra a família que sempre desejaram.