Na noite do nosso casamento, ao ver o que o meu marido tinha “lá em baixo”, tremi e compreendi porque a família dele me oferecera uma vivenda à beira do lago no valor de aproximadamente um milhão de euros para casar com uma rapariga pobre como eu…
Chamo-me Leonor, tenho 26 anos, cresci numa família humilde nas planícies ventosas do Alentejo. O meu pai faleceu cedo, a minha mãe estava doente, e tive de deixar a escola no 10.º ano para trabalhar como empregada doméstica. Depois de anos de luta, finalmente consegui um emprego como criada interna para uma das famílias mais ricas de Lisboa — os Sousa e Silva, que viviam no bairro do Restelo.
O meu marido — Rodrigo Sousa e Silva — era o único filho desta família. Era belo, culto, tranquilo, mas havia sempre um distância invisível à sua volta. Trabalhei lá quase três anos, acostumei-me a baixar os olhos em silêncio, sem nunca ousar pensar que poderia entrar no mundo deles. Mas um dia, Dona Margarida Sousa e Silva (a mãe de Rodrigo) chamou-me à sala, colocou a certidão de casamento à minha frente e prometeu:
“Leonor, se aceitares casar com o Rodrigo, a casa à beira da Lagoa de Óbidos ficará em teu nome. É o nosso presente de casamento.”
Fiquei atordoada. Como podia uma criada como eu comparar-se ao filho querido deles? Pensei que fosse uma brincadeira, mas os seus olhos estavam sérios. Não percebia porque me escolheram; só sabia que a minha mãe estava gravemente doente, e as despesas mensais eram um fardo insuportável. A minha mente dizia para recusar, mas o coração frágil — e o amor pela minha mãe — fizeram-me anuir.
O casamento foi de uma luxúria inimaginável no Palácio da Pena, em Sintra. Vestia um vestido branco, sentada ao lado do Rodrigo, ainda a achar que era um sonho. Mas o olhar dele era frio e distante, como se guardasse um segredo que eu ainda não conhecia.
Na noite de núpcias, o quarto estava cheio de flores. Rodrigo vestia uma camisa branca, o rosto perfeito como uma escultura, mas os olhos tristes e calados. Quando se aproximou, o meu corpo inteiro tremeu. E então, a verdade revelou-se.
Rodrigo não era como os outros homens. Tinha uma condição congénita que o impedia de cumprir plenamente o papel de marido. Tudo fez sentido: a casa à beira do lago, a entrada de uma criada pobre numa família abastada — não porque eu fosse especial, mas porque precisavam de uma “esposa de fachada” para Rodrigo.
Os olhos encheram-se de lágrimas — não sabia se era por pena de mim ou dele. Rodrigo sentou-se em silêncio e disse: “Desculpa, Leonor. Não mereces isto. Sei que sacrificaste muito, mas a minha mãe… ela precisa que eu tenha família para ficar descansada. Não posso contrariá-la.”
Na luz amarela do candeeiro, vi que os seus olhos estavam húmidos. Afinal, o homem frio também escondia uma dor profunda. Não era diferente de mim — ambos vítimas do destino.
Nos dias seguintes, a nossa vida era estranha. Não havia doçura entre marido e mulher, apenas respeito e cumplicidade. Rodrigo era extremamente bondoso: perguntava-me como estava de manhã, levava-me a passear pela Lagoa de Óbidos à tarde, e jantávamos juntos à noite. Não me tratava como a criada de outrora, mas como uma companheira. E era isso que me deixava confusa — o coração comovia-se, mas a mente lembrava-me que este casamento nunca seria “completo.”
Certa vez, ouvi Dona Margarida a confidenciar ao médico da família: ela tinha um problema do coração e pouco tempo de vida. Tinha medo que, sem ela, o Rodrigo ficasse para sempre sozinho. Escolheu-me porque viu que eu era gentil, trabalhadora e sem ambição; acreditou que ficaria ao lado dele e não o abandonaria por causa da sua condição.
Ao saber da verdade, o meu coração agitou-se. Antes, achava que era apenas uma “substituta” em troca de uma casa — mas afinal, escolheram-me por amor e confiança. Naquele dia, prometi a mim mesma: não importava como fosse este casamento, jamais deixaria o Rodrigo.
Numa noite chuvosa em Lisboa, Rodrigo teve uma crise súbita. Em pânico, o levei ao Hospital de Santa Maria. No meio do delírio, apertou-me a mão com força e murmurou:
“Se um dia te cansares, vai embora. A casa do lago é a tua compensação. Não quero que sofras por minha causa…”
Chorei. Desde quando é que ele conquistara o meu coração? Apertei-lhe a mão:
“Não vou a lado nenhum. És o meu marido — a minha família.”
Depois da crise, Rodrigo acordou. Ao ver-me ainda ali, os seus olhos encheram-se de lágrimas e calor. Não precisávamos de um casamento “perfeito.” Tínhamos a compreensão — a cumplicidade — e um amor calmo e duradouro.
A casa à beira da Lagoa de Óbidos já não era uma “recompensa,” mas um lar verdadeiro. Plantei flores na varanda; Rodrigo montou um cavalete na sala. Todas as noites, sentávamo-nos lado a lado, ouvindo a chuva cair sobre os pinheiros, falando dos nossos pequenos sonhos.
Talvez a felicidade não seja a perfeição, mas sim encontrar alguém que, apesar das imperfeições, ainda assim escolhe amar e ficar. E eu encontrei essa felicidade… desde aquela noite de núpcias em que tremi de medo.





