O sol abrasador de Lisboa batia sem piedade sobre a Avenida da Liberdade, onde Tiago, um jovem de 28 anos com o cabelo desalinhado e a roupa em farrapos, estava sentado no passeio. Seus olhos azuis, antes cheios de vida, agora estavam apagados pelo cansaço e pela fome. As costelas marcadas sob a camisa rasgada denunciavam semanas de alimentação escassa. Tiago observava o frenesi da cidade, sentindo-se invisível no meio da multidão.
O estômago roncou com dor, lembrando-lhe que não comia há mais de dois dias. “Só mais um dia, Tiago, tu consegues. Hoje alguém vai reparar em ti”, murmurou para si mesmo, tentando manter viva a esperança.
Quem é que eu quero enganar? Ninguém olha duas vezes para um sem-abrigo, pensou, com uma voz interior carregada de amargura. As horas arrastavam-se, e Tiago lutava contra a tentação de revirar os caixotes do lixo à procura de restos. Prometera a si mesmo não cair tão baixo, mas a fome era um inimigo impiedoso.
Os olhos seguiam, involuntariamente, cada pessoa que passava com sacos de comida ou canecas de café. O aroma de uma bifana vendida na esquina torturava-lhe os sentidos, fazendo-lhe crescer água na boca enquanto o estômago protestava com mais força. Talvez devesse tentar outra vez naquele centro de acolhimento.
Não… não posso. A última vez… Tiago estremeceu, deixando o pensamento incompleto.
Por que é que as coisas tinham de chegar a este ponto? Quem me dera não ter crescido assim. Quem me dera ter tido uma família, um lar. A mente divagava, recordando com dor o passado.
À medida que a tarde avançava, o desespero de Tiago aumentava. Via outros sem-abrigo aproximarem-se dos transeuntes a pedir umas moedas, mas ele não encontrava a coragem para fazer o mesmo. O orgulho, a última coisa que lhe restava, detinha-o.
Um homem mais velho, sentado a pouca distância, olhou para ele com uma mistura de compaixão e compreensão.
“Rapaz, às vezes as coisas parecem sem esperança, mas sobrevivemos”, disse com voz rouca, marcada pela idade e pela vida na rua.
“Eu sei, mas… às vezes parece que esta vida nunca vai mudar. Só temos as poucas moedas que a bondade dos outros nos dá, mas precisamos de mais oportunidades de trabalho, de um sítio para viver, de comida decente na mesa”, respondeu Tiago, com voz trémula entre a esperança e a descrença.
De repente, como se o universo tivesse ouvido o seu silencioso apelo, uma mulher de meia-idade parou à sua frente. Sem dizer uma palavra, entregou-lhe um saco de papel com uma sanduíche quente.
O aroma do pão acabado de sair do forno e da carne grelhada encheu-lhe as narinas, fazendo o estômago revolver-se de antecipação. Tiago ergueu os olhos para a mulher, com lágrimas de gratidão.
“Obrigado, senhora. Não faz ideia do que isto significa para mim”, disse, com a voz embargada pela emoção.
A mulher sorriu-lhe com doçura e seguiu caminho, deixando Tiago maravilhado com aquele gesto de bondade. Talvez ainda houvesse compaixão neste mundo.
Talvez não estivesse completamente sozinho, pensou, sentindo uma centelha de esperança a acender-se no peito. Enquanto se preparava para saborear a preciosa sanduíche, o olhar fixou-se noutros dois homens sentados perto. Os rostos magros e olhos famintos refletiam a sua própria situação.
Sem hesitar, Tiago dividiu a sanduíche em três partes e ofereceu-as aos companheiros de infortúnio.
“Rapazes, vamos partilhar. Ninguém deveria passar fome se pudermos ajudar-nos uns aos outros”, disse, com voz rouca mas gentil.
Do outro lado da rua, duas mulheres observavam a cena. Beatriz, uma jovem de cabelo castanho longo e olhos verdes cheios de compaixão, sentiu o coração apertar ao testemunhar aquele ato de generosidade. Deu um passo em frente, decidida a oferecer mais ajuda, quando sentiu um puxão forte no braço.
Vitória, sua madrastra, uma mulher de meia-idade com feições duras e olhar gelado, agarrou-a com força.
“Nem penses nisso, Beatriz. Não vou permitir que te mistures com essa gente”, sussurrou com raiva, os olhos cinzentos a faiscarem.
“Mas, Vitória, eles precisam de ajuda. Como podemos simplesmente ignorá-los?”, protestou Beatriz, com voz trémula de indignação.
Vitória puxou-a para longe, os saltos a ecoarem no pavimento enquanto se dirigiam a uma loja de luxo. O contraste entre as montras reluzentes e a realidade dura da rua era esmagador. Beatriz resistiu, os olhos ainda fixos em Tiago e nos outros.
Vitória parou a seco, virando-se para a encarar. O rosto era uma máscara de repugnância e fúria contida.
“Perdeste a cabeça, Beatriz? Essa gente é perigosa. Provavelmente usariam o dinheiro que lhes desses para drogas ou álcool”, cuspiu, com tom cortante.
“Não sabes isso, Vitória. Aquele homem acabou de partilhar a única comida que deve ter tido hoje. Como podes ser tão insensível?”, retorquiu Beatriz, com a voz a tremer de revolta.





