Os motards arrombaram a porta esperando encontrar ocupas ilegais, mas depararam-se com um menino de sete anos acorrentado a um radiador.
A nota estava colada com fita-cola na sua camisola: “Por favor, cuidem do meu filho. Peço desculpa. Digam que a Mãe o amava mais do que as estrelas.”
O miúdo nem sequer levantou os olhos quando entrámos aos encontrões. Apenas ficou ali, a desenhar no pó com o dedo, como se seis homens de couro e botas não estivessem paralisados à sua frente.
A corrente no tornozelo tinha-lhe esfolado a pele até ao vermelho. Garrafas de água vazias e pacotes de bolachas espalhavam-se pelo chão. Estava ali havia dias.
“Meu Deus,” sussurrou Martelo atrás de mim. “Ele está…?”
“Está vivo,” disse, aproximando-me. “Olá, pequeno. Estamos cá para ajudar.”
O menino levantou enfim o rosto. Olhos verdes, vazios e muito velhos para um rosto tão jovem. “A Mãe mandou-vos?”
A garganta fechou-me. Aquela nota. Passado. “Diga que a Mãe o amava.” Não amava. Amou.
“Sim, pequeno,” menti. “Foi a Mãe que nos mandou.”
Chamo-me Marco “Tanque” Oliveira. 64 anos, presidente do Clube Motard Lobos de Ferro. Estávamos a inspecionar os prédios abandonados do bairro da Ribeira, à procura de ladrões de cabos, quando ouvimos um ruído vindo da antiga casa da família Sousa. Devia estar vazia há dois anos.
O menino chamava-se Tomás, o Tomás. Sete anos, embora desnutrido parecesse ter cinco. A corrente estava fechada a cadeado, mas o Corvo trouxera um corta-fios na mota. Quando o libertámos, Tomás só ficou de pé, a balançar ligeiramente.
“Onde está a Mãe?”
“Vamos encontrá-la,” disse. “Mas primeiro, vamos pôr-te em segurança. Tens fome?”
“A Mãe disse para eu esperar aqui. Disse que viriam pessoas boas.”
“Somos nós, pequeno. Nós somos as pessoas boas.”
Ele examinou o meu colete, as insígnias todas. “São anjos?”
Martelo riu-se com tristeza. “Nem por isso, miúdo.”
“A Mãe disse que viriam anjos. Anjos grandes com asas que rugem.”
Motas. Ela tinha falado de motas.
“Então sim,” disse, levantando-o com cuidado. Não pesava nada. “Somos os teus anjos.”
Enquanto o levávamos para fora, o Doutor já estava ao telefone com os seus contactos no hospital. Mas algo me dizia que tínhamos de revistar o resto da casa primeiro.
“Martelo, leva o miúdo para a tua mota. Mantém-no quente. Corvo, Diesel, venham comigo.”
Encontrámo-la na cave.
Estava morta há talvez quatro dias. Pílulas, pelo que parecia. Pacífica.
Deitara-se cuidadosamente num colchão velho, vestida provavelmente com o seu melhor vestido.
Um álbum de fotografias estava agarrado ao peito — imagens dela e do Tomás em tempos melhores. Antes dos hematomas nas fotos mais recentes. Antes do olhar perdido nos seus olhos.
Havia outra nota, mais comprida desta vez, num envelope marcado “Para quem encontrar o meu menino.”
Li-a enquanto o Corvo chamava as autoridades:
“Chamo-me Sara Mendes. O meu filho é Tomás Manuel Mendes, nascido a 15 de março de 2017. O pai está na prisão pelo que nos fez. Eu tenho cancro. Fase 4. Sem seguro. Sem família. Sem esperança.
Sei que o que estou a fazerE, quando as rodas da nossa mota rugiram ao longe no pôr-do-sol, levei o Tomás para casa, sabendo que a Sara enfim podia descansar, porque o seu menino estava salvo.





