Casou a filha cega com um mendigo e o inesperado aconteceu6 min de lectura

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**Diário Pessoal**

Nunca tinha visto o mundo, mas sentia a sua crueldade em cada respiro que dava. Nasci cega numa família que valorizava acima de tudo a beleza. As minhas duas irmãs eram admiradas pelos seus olhos cativantes e figuras elegantes, enquanto eu era tratada como um fardo, um segredo vergonhoso trancado atrás de portas fechadas.

A minha mãe morreu quando eu tinha apenas cinco anos, e desde então o meu pai mudou. Tornou-se amargo, ressentido e cruel—especialmente comigo. Nunca me chamou pelo nome; chamava-me “aquela coisa”. Não me queria à mesa durante as refeições em família, nem por perto quando havia visitas. Acreditava que eu estava amaldiçoada, e quando completei 21 anos, ele tomou uma decisão que destruiria o que restava do meu coração já partido.

Numa manhã, o meu pai entrou no meu quarto pequeno, onde eu estava sentada a passar os dedos pelos pontos em relevo de um livro em Braille gasto. Atirou um pedaço de tecido dobrado para o meu colo.

“Vais-te casar amanhã”, disse secamente.

Congelei. As palavras não faziam sentido. Casar? Com quem?

“É um mendigo da igreja”, continuou ele. “Tu és cega, ele é pobre. Um bom par para ti.”

Senti o sangue fugir-me do rosto. Queria gritar, mas nenhum som saiu. Não tinha escolha. O meu pai nunca me deu escolhas.

No dia seguinte, casei-me numa cerimónia pequena e apressada. Claro que nunca vi o rosto dele, e ninguém se atreveu a descrevê-lo. O meu pai empurrou-me na direção do homem e disse-me para pegar no seu braço. Obedeci, como um fantasma dentro do meu próprio corpo. As pessoas riam-se por trás das mãos, sussurrando: “A rapariga cega e o mendigo.”

Depois da cerimónia, o meu pai deu-me um saco pequeno com algumas roupas e empurrou-me novamente para o homem.

“Agora é problema teu”, disse, afastando-se sem olhar para trás.

O mendigo, que se chamava Bernardo, guiou-me em silêncio pela estrada. Passou muito tempo sem dizer nada. Chegámos a uma cabana pequena e degradada na beira da vila. Cheirava a terra húmida e fumo.

“Não é muito”, disse Bernardo com suavidade. “Mas estarás em segurança aqui.”

Sentei-me no tapete velho lá dentro, segurando as lágrimas. Esta era a minha vida agora. Uma rapariga cega casada com um mendigo, numa cabana feita de lama e esperança.

Mas algo estranho aconteceu naquela primeira noite.

Bernardo preparou-me chá com mãos delicadas. Deu-me o seu próprio casaco e dormiu junto à porta, como um cão de guarda a proteger a sua rainha. Falava-me como se eu importasse—perguntava que histórias eu gostava, que sonhos tinha, que comidas me faziam sorrir. Nunca ninguém me tinha perguntado essas coisas antes.

Os dias transformaram-se em semanas. Todas as manhãs, Bernardo levava-me ao rio, descrevendo o sol, os pássaros, as árvores com tanta poesia que eu comecei a sentir que os conseguia ver através das suas palavras. Ele cantava para mim enquanto eu lavava roupa e contava-me histórias de estrelas e terras distantes à noite. Ri pela primeira vez em anos. O meu coração começou a abrir-se. E naquela cabana estranha, algo inesperado aconteceu: apaixonei-me.

Uma tarde, quando peguei na sua mão, perguntei:
“Tu sempre foste um mendigo?”

Ele hesitou. Depois disse com suavidade:
“Não sempre.”

Mas nunca explicou mais. E eu não insisti.

Até um dia.

Fui sozinha ao mercado comprar legumes. Bernardo tinha-me dado indicações cuidadosas, e eu tinha memorizado cada passo. Mas a meio do caminho, alguém agarrou o meu braço com violência.

“Rata cega!”, cuspiu uma voz.

Era a minha irmã. Teresa.

“Ainda viva? Ainda a fingir que és a mulher de um mendigo?”

Senti as lágrimas subirem, mas mantive-me firme.

“Estou feliz”, disse.

Teresa riu-se com crueldade.
“Nem sabes como ele é. É lixo. Tal como tu.”

Depois sussurrou algo que me destruiu.

“Ele não é um mendigo. Catarina, mentiram-te.”

Voltei para casa cambaleante, confusa. Esperei até anoitecer, e quando Bernardo regressou, perguntei novamente—desta vez com firmeza.

“Diz-me a verdade. Quem és realmente?”

Ele ajoelhou-se à minha frente, pegou nas minhas mãos e disse:

“Não devias saber ainda. Mas não te posso mentir mais.”

O meu coração batia com força.

Ele respirou fundo.

“Não sou um mendigo. Sou o filho do Conde.”

O meu mundo girou enquanto processava as suas palavras. “O filho do Conde.” A minha mente recuou sobre cada momento que tínhamos partilhado—a sua bondade, a sua força, as histórias ricas demais para um simples mendigo—e de repente tudo fez sentido. Ele nunca tinha sido um mendigo. O meu pai tinha-me casado não com um pobre, mas com um nobre disfarçado de trapos.

Afastei as minhas mãos, com a voz a tremer:
“Porquê? Porque me deixaste acreditar que eras um mendigo?”

Bernardo levantou-se, a voz calma mas carregada de emoção.
“Porque queria alguém que me visse—não a minha riqueza, não o meu título. Só a mim. Alguém puro. Alguém cujo amor não pudesse ser comprado. Tu eras tudo o que eu tinha rezado, Catarina.”

O meu coração lutava entre a raiva e o amor. Porque não me tinha contado? Porque me deixou sentir descartada como lixo?

Bernardo ajoelhou-se novamente.
“Nunca quis magoar-te. Vim disfarçado porque estava cansado de mulheres que amavam o trono mas não o homem. Depois ouvi falar de uma rapariga cega, rejeitada pelo próprio pai. Observei-te à distância durante semanas antes de me aproximar dele disfarçado. Sabia que ele aceitaria, porque queria livrar-se de ti.”

As lágrimas rolaram pelas minhas faces. A dor da rejeição do meu pai misturava-se com o choque da verdade de Bernardo. Sussurrei:
“E agora? O que acontece agora?”

Bernardo apertou-me a mão com suavidade.
“Agora vens comigo—para o meu mundo, para o palácio.”

O meu coração saltou.
“Mas sou cega. Como posso ser uma princesa?”

Ele sorriu.
“Já és, minha princesa.”

Na manhã seguinte, uma carruagem real estava à porta da nossa cabana. Guardas de preto e dourado inclinaram-se perante Bernardo e Catarina. Agarrei-me ao seu braço com força enquanto a carruagem seguia em direção ao palácio.

Quando chegámos, a multidão surpreendeu-se. O príncipe perdido tinha regressado—mas com uma rapariga cega ao seu lado. A Rainha observou-me atentamente, os olhos penetrantes. Eu inclinei-me humildemente. Bernardo ficou firme ao meu lado e declarou:

“Esta é a minha mulher—a mulher que escolhi. A mulher que viu a minha alma quando mais ninguém conseguia.”

A Rainha ficou em silêncio por um momento, depois aproximou-se e abraçou-me.
“Então ela é minha filha”, disse.

Quase desmaiei de alívio. Bernardo sussurrou:
“Eu disse-te, estás em segurança.”

Naquela noite, junto à janela do palácioE à medida que a lua brilhava sobre os jardins do palácio, percebi que a escuridão dos meus olhos nunca tinha sido uma maldição, mas sim o que me permitiu ver a verdadeira luz da vida—o amor puro e incondicional.

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