A luz da primavera entrava pelas janelas altas do ginásio escolar, pintando manchas douradas no chão bem encerado. O ar vibrava com excitação e nervosismo enquanto as crianças ensaiavam para a apresentação anual da primavera. No canto mais afastado, Maria Silva, de apenas cinco anos, sentava-se curvada numa cadeira de metal fria. Suas mãozinhas agarravam a bainha do vestido amarelo desbotado – um vestido que tinha sido da sua mãe quando ela era pequena. O tecido estava gasto, a saia um pouco curta e o rendado das mangas começava a desfiar. Para a Maria, era a coisa mais óbvia do mundo.
À sua volta, outras meninas giravam em vestidos novos, azuis e cor-de-rosa brilhantes que sussurravam ao movimentarem-se. Maria tentara sorrir antes, mas os murmúrios começaram mesmo antes de subirem ao palco. “Isso veio da loja de usados?”, perguntou uma menina em voz alta para todos ouvirem. “Parece tirado do armário duma avó”, gozou outra. Um menino perto da mesa dos lanches acrescentou: “Não te aproximes muito. Pode cheirar a naftalina.” A picada das risadas fez Maria encolher-se no seu canto, apertando a cadeira contra a parede, tentando ficar ainda mais pequena.
Maria observava os outros a ensaiar, com o coração pesado. Queria desaparecer, que o seu vestido se transformasse magicamente em algo bonito e novo. Foi então que reparou nele. Eduardo Mendes, alto e de ombros largos, estava no fundo do ginásio. O seu fato impecável destacava-se entre os casacos e agasalhos das outras pessoas. Era o convidado de honra do evento, um multimilionário que financiava atividades extracurriculares e doara o novo parque infantil lá fora. Mas em vez de olhar para o palco, os seus olhos estavam fixos nela.
Eduardo atravessou o ginásio devagar, tentando não chamar atenção. Quando chegou perto de Maria, ajoelhou-se para ficar à sua altura. “Pareces carregar o peso do mundo”, disse com suavidade. “O que se passa, querida?” Maria abanou a cabeça, os olhos fixos no colo. “O meu vestido é feio”, sussurrou. “Todos se riem.” Eduardo inclinou a cabeça. “Feio? Eu não vejo feio. Vejo uma menina corajosa que veio hoje, pronta para cantar pela sua escola.” Maria olhou para ele, incerta. “Mas é velho. Não é como os delas.” Ele baixou a voz. “Sabes o que a minha mãe me dizia? Dizia: ‘A roupa não te faz especial. Tu é que fazes a roupa especial.’ E agora mesmo, tu fazes deste vestido o mais importante de toda a sala.”
Maria pestanejou, absorvendo as suas palavras. “Mesmo sendo velho?” “Principalmente por ser velho”, respondeu ele. “Significa que tem história. E tu, Maria, agora fazes parte dela.” Do outro lado do ginásio, as meninas que antes se tinham rido olhavam, murmurando outra vez. Uma delas sorriu com ironia: “Porque é que o milionário está a falar com ela?” O comentário pairou no ar, cortante como vidro. Os olhos de Eduardo desviaram-se para elas apenas um instante antes de voltar para Maria. “Que tal mostrarmos como é a confiança?”, disse. “Uma dança, tu e eu, que tal?”
Maria hesitou, olhando em volta. “Todos vão olhar.” “Melhor”, disse Eduardo com um sorriso. “Que vejam o que acontece quando acreditas em ti mesma.” Maria pegou na sua mão, pequena e quentinha na dele, e deixou-se levar para o meio do ginásio. Os murmúrios silenciaram-se. O pianista voluntário da escola, entendendo o momento, começou a tocar uma valsa suave. Os passos de Maria eram pequenos, inseguros, mas Eduardo mantinha o ritmo lento e constante. “Respira”, murmurou. “Apenas segue-me. Estás a fazer muito bem.”
A meio da música, os ombros de Maria começaram a relaxar. Os seus olhos ergueram-se dos sapatos e encontraram os dele, e até conseguiu um sorriso tímido. Pela primeira vez naquela tarde, esqueceu-se do vestido desbotado. Quando a música terminou, Eduardo ajoelhou-se novamente e sussurrou: “Foi perfeito. Nunca deixes que te digam que vales menos por causa do que vestes. Só dizem isso quando têm medo que sejas mais.” Alguns pais aplaudiram de verdade. Mas as risadinhas voltaram assim que ela se sentou. Eduardo percebeu a mudança no seu rosto, como a chama de orgulho ameaçava apagar-se.
Mais tarde, enquanto as crianças cantavam e recitavam poemas, Eduardo saiu discretamente do ginásio. Já tinha um plano em mente. Nessa noite, ligou a uma amiga que tinha uma boutique de roupa infantil personalizada no centro. “Preciso de um vestido”, disse. “Um vestido de princesa, que faça uma menina sentir-se dona do palco, e preciso dele para sexta-feira.”
Na manhã seguinte, Maria voltou à escola. As gozações não tinham parado. “Olha, menina vintage”, gritou um menino. “A minha avó tem cortinas como o teu vestido.” Maria mordeu o lábio e seguiu em frente, repetindo as palavras de Eduardo na cabeça. “Tu é que fazes a roupa especial.” Ajudava um pouco.
Ela não sabia que, numa pequena oficina do outro lado da cidade, costureiras já mediam seda e tule, cosiam pérolas minúsculas num corpete e dobravam camadas de cetim cor-de-aurora. Não sabia que Eduardo escolhera o tecido pessoalmente, imaginando a sua cara ao vê-lo. Só sabia que alguém, alguém importante, a tinha visto para além do vestido. A tinha visto a ela. E talvez, apenas talvez, da próxima vez que subisse ao palco, não precisasse de se esconder no canto.
A sexta-feira amanheceu radiosa no pequeno bairro de Lisboa. Maria acordou com o som da sua mãe, a Dona Silva, a cantarolar na cozinha. O ar cheirava a aveia e canela. Vestiu novamente o vestido amarelo desbotado, o tecido familiar sob os dedos. Era o único que tinha para a apresentação daquela tarde. Suspirou, lembrando-se das risadas do início da semana.
Na escola, o ginásio era um turbilhão de decorações. Fitas em tons pastel pendiam dos aros de basquetebol e as cadeiras dobráveis estavam arrumadas para os pais e convidados. As crianças agitavam-se em trajes coloridos – vestidos com babados, camisas impecáveis e sapatos reluzentes. As mesmas meninas que se tinham rido de Maria na segunda-feira cochichavam e olhavam na sua direção. “Parece que a menina vintage continua com o mesmo vestido”, disse uma, sem baixar a voz.
Maria baixou a cabeça e procurou um lugar perto da parede. Foi então que o viu – Eduardo Mendes, a entrar com a diretora, a Dona Sousa. Hoje vestia um fato cinza elegante. Mas o que chamou a atenção de Maria foi a grande sacola branca de roupa que trazia no braço. Ele olhou pela sala, os olhos pousando nela com um pequeno sorriso cúmplice.
Eduardo atravessou o ginásio, parando apenas para cumprimentar alguns pais. Quando chegou ao lado de Maria, ajoelhou-se para ficar à sua altura. “Bom dia, princesa Maria”, disse suavemente. “Tenho uma coisa para ti, mas só se continuares a ser corajosa hoje.” Os olhos de Maria abriram-se. “O que é?” Eduardo olhou para a sacola. “Um pouco de magia”, respondeu. “Vem comigo.”
Saíram para o corredor, logo à saída do ginásio. Eduardo abriu a sacola e Maria ficou semRespira fundo e sorri – hoje, finalmente, ela dançaria como uma verdadeira princesa.