A sala do sétimo andar de um hospital privado em Lisboa estava estranhamente silenciosa. O monitor cardíaco emitia um ritmo constante, e a luz branca iluminava o rosto pálido de Matilde—uma mulher que acabara de sair de uma cirurgia à tiroide.
Ainda meio sonolenta devido à anestesia, Matilde pestanejou e viu o marido, Ricardo, ao lado da cama, com uma pilha de papéis na mão.
— Já acordaste? Ótimo. Assina isto.
O tom dele era frio, sem qualquer traço de empatia.
Matilde olhou para os papéis, confusa:
— O que é isso… que tipo de documento?
Ricardo deslizou os papéis na sua direção, respondendo secamente:
— Os papéis do divórcio. Já preenchi tudo. Só falta a tua assinatura.
Matilde ficou imóvel. Os lábios abriram-se, mas a garganta ainda doía da cirurgia. As palavras fugiram-lhe. Os olhos encheram-se de incredulidade e dor.
— Isto… é alguma piada de mau gosto?
— Estou sério. Já te disse—não posso continuar com alguém frágil e doente. Canso de ser o único a tentar. Mereço seguir o que sinto.
A voz dele era assustadoramente calma, como se estivesse a falar de trocar de seguro, e não de acabar com anos de casamento.
Um sorriso ténue surgiu nos lábios de Matilde, enquanto lágrimas silenciosas escorriam.
— Então… esperaste até eu não me conseguir mexer nem falar… para me obrigar a assinar?
Ricardo hesitou por um instante, depois confirmou:
— Não me culpem. Isto já estava decidido. Conheci outra pessoa. Ela não quer mais viver escondida.
Matilde cerrou os dentes suavemente. A garganta ardia, mas a verdadeira dor estava no peito. Mesmo assim, não gritou nem chorou.
Apenas perguntou, baixinho:
— Onde está a caneta?
Ricardo ficou surpreso. — Tu… vais mesmo assinar?
— Disseste que era só uma questão de tempo.
Ele entregou-lhe a caneta. Matilde pegou nela com mãos trémulas e assinou o nome.
— Pronto. Desejo-te paz.
— Obrigada. Vou devolver o que combinámos. Adeus.
Ricardo virou-se e saiu. A porta fechou-se suavemente—demasiado suavemente. Mas não passaram três minutos até se abrir novamente.
Entrou o Dr. Pedro, amigo de longa data de Matilde e cirurgião que a operara. Trazia a ficha médica e um ramo de rosas brancas.
— A enfermeira disse que o Ricardo esteve aqui?
Matilde acenou levemente, com um sorriso tranquilo:
— Sim. Veio pedir o divórcio.
— Estás bem?
— Mais do que bem.
Pedro sentou-se ao seu lado, colocou as flores na mesa e tirou um envelope.
— São os papéis do divórcio que o teu advogado me pediu para guardar. Disseste-me: se o Ricardo os trouxesse primeiro, assinavas estes e devolvias.
Sem hesitar, Matilde abriu o envelope e assinou. Depois, virou-se para Pedro, o olhar cheio de uma força serena:
— De agora em diante, vivo para mim. Não me dobro para ser a “boa esposa”. Não finjo força quando estou exausta.
— Estou aqui. Não para substituir ninguém, mas para te apoiar, se me deixares.
Matilde acenou. Uma única lágrima caiu—não de desgosto, mas de alívio.
Uma semana depois, Ricardo recebeu um envelope prioritário. Dentro, estava o decreto de divórcio finalizado. Anexada, uma pequena nota escrita à mão:
*”Obrigado por ires embora, para eu parar de me agarrar a quem já me largou.*
*A que ficou para trás não fui eu.*
*Foste tu—para sempre a faltar-te a mulher que um dia te deu todo o seu amor.”*
Naquele momento, Ricardo percebeu finalmente: quem achou que estava a terminar tudo era, na verdade, o único verdadeiramente deixado para trás.