Demitido por idade, dei rosas aos colegas e uma auditoria secreta ao chefe

**A Filipa, temos de seguir caminhos diferentes.**

João disse isto com aquela suavidade paternal que usava sempre que preparava mais uma das suas manobras. Recostou-se na cadeira imponente, os dedos entrelaçados sobre a barriga.

*—Decidimos que a empresa precisa de um novo rumo. Novas energias. Compreendes.*

Olhei para ele, para o rosto bem cuidado, para a gravata cara que eu própria lhe ajudara a escolher para o último evento corporativo.

Compreendia? Ah, sim. Compreendia que os investidores começavam a falar numa auditoria independente e ele precisava desesperadamente de se livrar da única pessoa que via o quadro completo. Eu.

*—Compreendo* — respondi, serena. *—Novas energias, ou seja, a Inês da receção, que confunde débitos e créditos, mas tem vinte e dois anos e ri-se de todas as tuas piadas?*

Ele torceu o nariz.

*—Não é questão de idade, Filipa. É apenas… a tua abordagem está desatualizada. Estagnámos. Precisamos de um salto.*

Um *salto*. Era a palavra que repetia há seis meses. Eu construí esta empresa com ele, desde o zero, quando nos espremíamos num escritório minúsculo com paredes descascadas. Agora que o escritório brilhava, eu já não combinava com o cenário.

*—Está bem* — levantei-me com leveza, sentindo tudo dentro de mim congelar. *—Quando devo limpar a minha mesa?*

A minha calma perturbou-o. Esperava lágrimas, súplicas, um escândalo. Tudo o que lhe daria o direito de se sentir um vencedor magnânimo.

*—Podes fazê-lo hoje. Sem pressa. Os RH preparam a papelada. Indemnização, tudo como deve ser.*

Acenei e dirigi-me à porta. Com a mão já no puxador, virei-me.

*—Sabes, João, tens razão. A empresa realmente precisa de um salto. E eu vou providenciá-lo.*

Ele não percebeu. Sorriu com condescendência.

Na sala aberta, onde cerca de quinze pessoas trabalhavam, o ambiente era tenso. Todos sabiam de tudo. As colegas desviaram o olhar, culpadas. Fui até à minha secretária. Uma caixa de cartão já lá estava. Eficiente.

Comecei a arrumar as minhas coisas em silêncio: fotos dos filhos, a minha caneca favorita, uma pilha de revistas profissionais. No fundo da caixa, coloquei um pequeno ramo de lírios-do-vale que o meu filho me trouxera no dia anterior, sem motivo especial.

Depois, tirei da mala o que preparara com antecedência: doze rosas vermelhas — uma para cada colega que estivera comigo todos estes anos. E uma pasta preta, grossa, atada com cordões.

Percorri o escritório, entregando uma flor a cada um. Agradeci em voz baixa, com palavras simples. Alguns abraçaram-me, outros choraram. Parecia uma despedida de família.

Quando regressei à secretária, só a pasta me restava nas mãos. Peguei nela, passei pelos rostos perplexos dos colegas e voltei ao gabinete de João.

A porta estava entreaberta. Ele estava ao telefone, a rir.

*—Sim, os velhos tempos ficam para trás… Sim, é altura de avançar…*

Não me dei ao trabalho de bater. Entrei, aproximei-me da secretária dele e deixei a pasta em cima dos papéis. Ele ergueu o olhar, surpreendido, e tapou o auscultador com a mão.

*—E isto?*

*—Isto, João, é a minha despedida. Em vez de flores. Tens aqui todos os teus “saltos” dos últimos dois anos.*

*—Com números, faturas e datas. Acho que vais achar interessante estudar com calma. Especialmente a parte sobre “metodologias flexíveis” para movimentar fundos.*

Virei-me e saí. Sentia o olhar dele a queimar primeiro a pasta, depois as minhas costas. Ouvi-o gritar algo ao telefone antes de desligar. Mas não olhei para trás.

Atravessei o escritório com a caixa de cartão vazia nas mãos. Agora, todos me observavam. Nos seus olhos, lia uma mistura de medo e admiração secreta. Uma rosa vermelha em cada mesa. Parecia um campo de papoilas após uma batalha.

À saída, o responsável de TI, o Sérgio, um homem calado que João considerava apenas um funcionário, alcançou-me. Há um ano, quando João tentou impor-lhe uma multa pesada por uma falha no servidor — culpa dele —, eu defendi-o com provas. Ele não esquecera.

*—Filipa* — murmurou. *—Se precisares de algo… dados, cópias na cloud… sabes onde me encontrar.*

Agradeci com um simples aceno de cabeça. Era a primeira voz de resistência.

Em casa, o meu marido e o meu filho, universitário, esperavam. Viram a caixa nas minhas mãos e perceberam.

*—Então, resultou?* — perguntou o meu marido, tirando-me a caixa.

*—O primeiro passo está dado* — respondi, tirando os sapatos de salto. *—Agora, esperamos.*

O meu filho, futuro advogado, abraçou-me.

*—Mãe, és incrível. Revisei os documentos que compilaste. Ninguém consegue furar essa história. Nenhum auditor.*

Foi ele quem me ajudou a sistematizar o caos da contabilidade dupla que eu recolhera em segredo no último ano.

Toda a noite esperei uma chamada. Ele não ligou. Imaginava-o sentado no gabinete, folha após folha, o rosto bem cuidado a ficar cada vez mais pálido.

O telefone tocou às onze da noite. Coloquei em alta-voz.

*—Filipa?* — a voz dele já não tinha vestígios da suavidade anterior. Só pânico mal disfarçado. *—Li os teus… documentos. Isto é uma piada? Chantagem?*

*—Palavras tão duras, João?* — respondi, calma. *—Isto não é chantagem. É uma auditoria. Uma prenda.*

*—Sabes que posso destruir-te, não sabes? Por difamação! Roubo de documentos!*

*—E tu sabes que os originais já não estão nas minhas mãos? E que, se algo me acontecer, estes papéis vão parar automaticamente a sítios interessantes? Como as finanças.*

*—E aos teus principais investidores.*

Ouvi a respiração pesada do outro lado.

*—O que queres, Filipa? Dinheiro? Voltar ao trabalho?*

*—Quero justiça, João. Que devolva*—Quero que devolvas tudo o que roubaste da empresa, até ao último cêntimo, e que te afastes sozinho, em silêncio.*

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