Vivo Sozinho… Então Por Que Meu Vizinho Ouve Vozes na Minha Casa Toda Tarde?6 min de lectura

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Aquela quarta-feira à tarde, quando cheguei a casa, a minha vizinha, Dona Oliveira, estava na varanda com os braços cruzados e um olhar mais irritado do que o costume. “A tua casa faz um barulho infernal durante o dia, Marco,” queixou-se. “Há alguém a gritar lá dentro.”

“Impossível,” respondi, equilibrando os sacos do supermercado. “Vivo sozinho. E passo o dia todo no trabalho.”

Ela abanou a cabeça com veemência. “Pois bem, há alguém lá dentro. Ouvi gritos outra vez por volta do meio-dia. Uma voz de homem. Bati à porta, mas ninguém respondeu.”

A insistência dela deixou-me inquieto, mas forcei um sorriso. “Deve ser a televisão. Por vezes deixo-a ligada para assustar ladrões.”

Mas, ao entrar, o ar parecia errado—como se a casa estivesse a segurar a respiração. Pus as compras em cima da mesa e percorri os quartos um a um. Tudo estava exatamente como eu o deixara. Nenhuma janela aberta. Nenhum sinal de arrombamento. Nenhuma pegada no soalho de madeira. Nada em falta. Convenci-me de que a vizinha tinha ouvido mal qualquer coisa e afastei o pensamento.

Naquela noite, mal consegui dormir.

Na manhã seguinte, depois de andar de um lado para o outro na cozinha por meia hora, tomei uma decisão. Liguei ao meu chefe, disse que me sentia doente e fiquei em casa. Às 7:45, abri o portão da garagem, saí com o carro o suficiente para os vizinhos verem, depois desliguei o motor e empurrei-o silenciosamente para dentro. Regressei pela porta lateral, corri para o quarto e escondi-me debaixo da cama, puxando o edredão apenas o suficiente para me ocultar. O meu coração batia tão forte que temi que me traísse.

Os minutos arrastaram-se em horas. Um silêncio espesso preenchia a casa, pesado e sufocante. Por volta das 11:20, justamente quando começava a duvidar da minha sanidade, ouvi o som inconfundível da porta da frente a abrir.

Devagar. Cuidadoso. Familiar.

Passos moviam-se pelo corredor com a confiança casual de quem acredita pertencer àquele lugar. Sapatos a roçar levemente no chão—um ritmo que eu reconhecia, mas não conseguia identificar de imediato. A respiração faltou-me.

Os passos entraram no meu quarto.

Uma voz masculina—baixa, irritada—resmungou: “Sempre deixas a casa numa desordem, Marco…”

O sangue gelou-me nas veias.

Ele sabia o meu nome.

E a voz era estranhamente familiar.

Fiquei paralisado, cada músculo travado de terror, enquanto a sombra das suas pernas se movia pelo quarto—e parava mesmo ao lado da cama.

Permaneci em silêncio, o pó a cobrir-me a garganta a cada respiração superficial. O homem no meu quarto agia com uma confiança perturbadora, abrindo gavetas e mexendo em objetos como se tivesse memorizado cada centímetro do espaço. A voz dele—calma, mas irritada—puxava por uma memória que não conseguia alcançar.

Uma gaveta fechou-se com força, e ele murmurou: “Sempre escondes as coisas em sítios diferentes, Marco…”

A pele arrepiou-se-me. Como é que ele sabe o que eu faço?

Dirigiu-se ao armário e abriu a porta. Os cabides chocalharam suavemente. Da minha posição, via apenas as suas botas—de couro castanho, vincadas pelo uso mas recentemente engraxadas. Não era um ladrão em pânico. Não estava apressado. Nem cauteloso. Comportava-se como alguém a regressar a casa depois de uma longa ausência.

Precisava de perceber quem ele era. Movi-me aos poucos para a borda da cama, alargando o campo de visão. Ele estendeu a mão para a prateleira de cima e agarrou uma caixa azul que eu não reconhecia. Abriu-a, sussurrou qualquer coisa num sotaque que não identifiquei e continuou a revirar coisas.

Foi então que o meu telemóvel vibrou no bolso.

O som foi quase impercetível, mas poderíamos jurar que foi uma explosão. Ele imobilizou-se de imediato. A minha respiração parou.

Devagar, ele agachou-se. As botas viraram-se para a cama.

Os dedos dele apareceram, a agarrar o edredão enquanto o levantava para espreitar por baixo.

Rolei para o lado oposto e levantei-me de um salto. Ele avançou, derrubando um candeeiro enquanto eu recuava. Quando se endireitou, vi o seu rosto com clareza.

Parecia-se comigo. Não perfeitamente—o queixo era mais largo, o nariz ligeiramente torto, o cabelo mais espesso—mas a semelhança era suficiente para o estômago se revirar. Ele olhou para mim com uma mistura estranha de irritação e resignação.

“Não devias estar aqui,” disse, num tom neutro.

“Quem és tu?” exigi, agarrando o candeeiro como uma arma.

“Chamo-me Adriano,” respondeu, erguendo as mãos. “Não planeava que descobrisses assim.”

“O que estás a fazer na minha casa?”

“Tenho ficado aqui. Só durante o dia. Tu estás fora durante horas. Nunca reparas.”

O coração martelava-me no peito. “Estás a viver aqui há meses?”

“Sim,” admitiu em voz baixa. “Não queria magoar-te.”

“Entraste na minha casa!”

“Não entrei à força.”

“Então como?”

Hesitou, o olhar a vaguear pelo corredor. “Tenho uma chave.”

Um calafrio percorreu-me a espinha. “Onde arranjaste uma chave da minha casa?”

Ele engoliu em seco e respondeu com uma simplicidade devastadora: “Do teu pai.”

“O meu pai morreu quando eu tinha dezanove anos,” disse, ainda a apertar o candeeiro.

Adriano acenou com a cabeça. “Eu sei.”

“Então como é que ele te deu uma chave?”

Ele respirou fundo e sentou-se na beira da cama, sem mostrar um traço de medo. “Porque ele também era o meu pai.”

Por um momento, as palavras não fizeram sentido. Pareciam impossíveis, como uma peça de um puzzle que não pertencia à caixa. Olhei fixamente para ele, à espera de sarcasmo ou de algum sinal de loucura. Mas a expressão dele manteve-se firme.

“És um mentiroso,” disse com firmeza.

“Não sou.” Abriu a caixa azul que tinha pegado antes. “O teu pai deixou isto para trás. Queria que um dia encontrasses.”

Dentro estavam cartas antigas, amarelecidas pelo tempo, todas escritas pelo meu pai. Abri a primeira. Não era dirigida à minha mãe, mas a uma mulher chamada Elisa. Enquanto lia, o peito apertou-se. A carta seguinte revelava mais—um relacionamento escondido, um filho, uma vida que o meu pai tinha compartimentado e escondido de nós.

Um filho chamado Adriano Melo.

“Porque é que ele não me contou?” murmurei.

Adriano encolheu os ombros com uma estranha suavidade. “Talvez quisesse proteger a tua mãe. Ou proteger-te. As famílias complicam-se. Ele fez o que achou que devia.”

“Mas porque vieste agora? Porque entraste na minha casa às escondidas?”

Esfregou a testa. “Não era suposto ser assim. Há seis meses, perdi o emprego. O meu apartamento tornou-se inseguro. Não tinha para onde ir. Tentei familiares, mas ninguém acreditou na minhaE, assim, entre o medo e a estranha familiaridade, descobri que, afinal, nunca estive verdadeiramente sozinho.

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