O mistério que nem os médicos resolveram, até a babá olhar os travesseiros5 min de lectura

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Leonor Vaz subiu a grandiosa escadaria da residência pela primeira vez, carregando uma mala compacta e com o coração cheio de esperança cautelosa. Aos 26 anos, recém-formada em enfermagem avançada, acabara de ser contratada como cuidadora pessoal do pequeno Tomás Cardoso, filho de quatro anos do multimilionário empresário Afonso Cardoso, conhecido como “O Magnata”.

A propriedade era impressionante: três andares de arquitectura neoclássica rodeados por jardins tão vastos e bem cuidados que se assemelhavam a um jardim botânico, com uma piscina tão grande que poderia passar por uma lagoa artificial. Mas o que mais chamou a atenção de Leonor foi o silêncio: pesado, quase sobrenatural. Uma casa daquele tamanho, com tantos recursos, deveria estar repleta de vida, movimento, risos infantis. Em vez disso, havia apenas um denso silêncio, uma atmosfera carregada de uma antiga tristeza.

“Ela deve ser a nova cuidadora.”

Uma voz firme e autoritária ecoou no hall de mármore. Era Rui Mendes, o mordomo da família há quase vinte anos, um homem de cerca de 55 anos com postura militar impecável e um olhar severo que a avaliou dos pés à cabeça.

“Sou o Rui. Espero que tenha lido e memorizado todas as instruções que enviamos.”

“Sim, senhor, li várias vezes”, respondeu Leonor, recordando o documento detalhado que recebera. As instruções pareciam mais adequadas a uma unidade de isolamento do que a uma casa.

O menino, Tomás, supostamente estava gravemente doente, e qualquer esforço físico era proibido. Os medicamentos deviam ser administrados com precisão de segundos, não de minutos. Não podia receber visitas nem sair da mansão em circunstância alguma. E havia uma regra estranha: limitar as interações verbais ao mínimo necessário para os seus cuidados.

“O jovem Tomás está no seu quarto no terceiro andar, ala oeste”, disse Rui, sem o mínimo traço de calor humano. “Siga as regras à risca. Qualquer desvio será comunicado ao Sr. Cardoso e o seu contrato será terminado. Valorizamos discrição e obediência aqui. Teremos uma relação profissional se entender isso.”

Leonor anuiu, sentindo um nó no estômago. Subiu a escada larga e almofadada até ao terceiro andar, com o coração aos pulos. Este era o seu primeiro grande emprego desde que se formara. Especializara-se em enfermagem pediátrica e cuidados intensivos por uma razão profundamente pessoal: perdera um irmão mais novo quando ainda era adolescente, vítima de uma doença que os médicos demoraram a diagnosticar.

Naquele dia, jurara que nunca mais deixaria uma criança sofrer à sua frente sem fazer tudo o que estivesse ao seu alcance.

A porta do quarto de Tomás era de madeira maciça, mas decorada com autocolantes de super-heróis e foguetões espaciais, embora parecessem desbotados, como se lá estivessem há muito tempo sem que ninguém se preocupasse em substituí-los. Bateu suavemente.

“Tomás, sou eu, vim cuidar de ti.”

Silêncio.

Abriu a porta devagar e deparou-se com uma cena que lhe partiu o coração. No meio de um quarto enorme, digno de um hotel de luxo, havia uma cama king-size rodeada de equipamento médico que mais parecia um cubículo de hospital do que um quarto de criança.

E no centro daquela cama, quase perdido no meio de uma montanha de almofadas, estava um menino. Era pequeno e dolorosamente magro para os seus quatro anos. Tomás tinha cabelo castanho desalinhado, olhos verdes enormes e uma palidez doentia que contrastava fortemente com os lençóis de algodão egípcio. O ar do quarto cheirava a uma mistura de antisséptico e confinamento.

“Olá, Tomás. Sou a Leonor.”

O menino olhou para ela com uma desconfiança que a surpreendeu. Não era a timidez habitual de uma criança; era a resignação de um adulto.

“Também vais embora?”

A pergunta, tão simples e direta, estava tão carregada de tristeza que Leonor engoliu em seco para conter as lágrimas.

“Porque é que havia de ir embora?”

“Todas as tias vão embora. O pai diz que é porque eu estou muito doente.”

Leonor aproximou-se devagar, como quem se aproxima de um animal assustado, e sentou-se na beira da cama, mantendo alguma distância.

“Bem, eu sou bastante teimosa. Não vou embora assim tão facilmente. Além disso, quero saber que doença é essa que tens.”

Tomás, sem sair do seu ninho de almofadas, apontou para um pequeno criado de aço inoxidável.

“Muitas doenças. Tomo remédio o dia todo.”

Leonor levantou-se e dirigiu-se à mesa. Congelou. Era como uma farmácia inteira. Contou pelo menos 20 frascos diferentes: antibióticos de largo espectro, anti-inflamatórios potentes, doses altíssimas de vitaminas, todo o tipo de suplementos, xaropes para a tosse, gotas descongestionantes, adesivos…

“Há quanto tempo estás doente?”, perguntou, pegando num dos frascos.

Tomás tentou contar nos dedos, mas desistiu.

“Sempre. A mãe morreu quando eu nasci. O pai diz que foi porque eu fiquei doente na barriga dela.”

Mais uma vez, pensou Leonor, uma criança a carregar culpa que não lhe pertence.

“Não é culpa tua que a tua mãe tenha ido para o céu”, disse Leonor com uma suavidade que contrastava com o frio do quarto. “Às vezes os adultos estão demasiado tristes para explicar as coisas direito.”

“Conheces o meu pai?”

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