Rico fica chocado ao ver mãe com mendigo — e reage de forma inesperada6 min de lectura

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Quando Eduardo Fernandes saiu do edifício de vidro no coração do Chiado, só pensava no e-mail que precisava enviar antes da meia-noite. Tinha fechado um contrato de trinta milhões de euros, os mercados reagiriam bem, o conselho ficaria satisfeito. Mais um triunfo. Mais um número a somar ao seu património de cento e cinquenta milhões.

Até que a viu.

A meio da rua, junto à parede de pedra de uma boutique de luxo, duas figuras destacavam-se contra o cinzento da tarde. Um cobertor velho e roto, um gorro de lã, um carrinho de supermercado com sacos. E, no meio de tudo, um casaco de cashmere bege que Eduardo reconhecia demasiado bem.

O coração parou.

—Mãe? —sussurrou, sem acreditar.

Isabel Fernandes, setenta e três anos, a viúva elegante do grande Afonso Fernandes, estava sentada no passeio molhado, a tremer. Ao seu lado, quase a segurando, estava um jovem de barba por fazer e olhos escuros, envolto em camadas de roupa suja. Ele pusera-lhe o seu próprio cobertor sobre os ombros e protegia-a com o corpo, como um escudo contra o vento gélido.

O frio de Janeiro cortava como navalhas. Os primeiros flocos de neve começavam a cair, pousando no cabelo branco de Isabel.

Eduardo correu.

—Mãe! —ajoelhou-se diante dela, sem ligar ao fato Armani nem aos sapatos encharcados—. Mãe, o que fazes aqui?

Isabel olhou-o como se demorasse a focar a imagem. Os seus olhos, sempre tão firmes, estavam perdidos.

—Edu… Eduardo? —balbuciou—. Eu… eu perdi-me… eu ia… eu…

A voz quebrou. O jovem sem-abrigo segurou-lhe o cotovelo.

—Calma, senhora, o seu filho já está aqui —disse ele, com uma serenidade que contrastava com o seu aspeto.

Eduardo olhou-o atentamente pela primeira vez. Tinha uns vinte e poucos anos, a barba desalinhada, a pele avermelhada pelo frio. Os dedos tremiam. E, ainda assim, mantinha o cobertor sobre os ombros de Isabel.

—O que aconteceu? —perguntou Eduardo, esforçando-se para soar controlado.

—Encontrei-a há meia hora —respondeu o jovem—. Ela andava pela rua, muito desorientada. Não sabia onde morava, nem o seu nome no início. Estava com muito frio, então sentei-a e dei-lhe o cobertor. Não tenho telemóvel para chamar ninguém… Estava a pensar ir à polícia.

Eduardo engoliu em seco. Chamou o motorista com mãos trémulas, depois os serviços de emergência. Enquanto falava, não conseguia deixar de ver a cena: a sua mãe, a mulher que organizava jantares de gala e vivia rodeada de luxo, agarrada ao cobertor sujo de um desconhecido.

E esse desconhecido, com nada mais que um carrinho e um cobertor, fizera mais por Isabel em meia hora do que ele em meses.

Quando levaram Isabel na ambulância, Eduardo ficou uns segundos no passeio, junto ao jovem.

Tirou a carteira. Notas. Muitas.

—Obrigado pelo que fez pela minha mãe —disse, estendendo o dinheiro—. Isto não compensa, mas…

O jovem baixou o olhar para o maço de notas. Eduardo esperava ver ganância, urgência. Em vez disso, viu algo parecido com desconforto.

—Não —disse Tiago, abanando a cabeça—. Não o fiz por dinheiro, senhor. Só… —olhou para onde a ambulância desaparecera— não podia deixá-la no chão. Qualquer pessoa com coração faria o mesmo.

Qualquer pessoa com coração.

Eduardo sentiu a frase atravessar-lhe algo por dentro. Quis insistir, mas o jovem já recolhia o cobertor, sacudia-o e o punha ao ombro.

—A sério, fique com isso —repetiu Tiago, com um meio sorriso cansado—. Cuide da sua mãe.

Virou-se e afastou-se pela rua nevada, perdendo-se entre gente que não o via.

Eduardo ficou imóvel, as notas na mão, enquanto o vento gelado lhe batia no rosto.

No Hospital de Santa Maria, o diagnóstico caiu como uma sentença longa e silenciosa.

—Alzheimer numa fase inicial —explicou o neurologista, num tom profissional, como quem repete uma frase dita muitas vezes—. Teve um episódio de desorientação severa. A partir de agora não deve ficar sozinha em momento nenhum.

Eduardo ouvia, mas só via a imagem da mãe sentada no passeio junto daquele rapaz. Isabel, que nunca saía sem motorista, que insistia em pôr flores frescas na mansão de Cascais; Isabel, perdida, sem saber sequer quem era.

Naquela noite, sentado na sala de espera enquanto a mãe dormia sedada, Eduardo abriu o portátil para se distrair. O e-mail, os relatórios, os gráficos… pela primeira vez em anos, pareceram-lhe irrelevantes.

Fechou o ecrã.

Na sua mente, aparecia uma e outra vez o rosto do rapaz do cobertor.

“Qualquer pessoa com coração”.

Percebeu, com um golpe incómodo de lucidez, que não sabia se, no lugar daquele rapaz, ele teria feito o mesmo.

Passaram-se três dias.

Três dias a reorganizar a casa, a contratar enfermeiras, a adaptar quartos, a cancelar viagens. Os médicos confirmaram o inevitável: bons dias, maus dias, um declínio lento e inexorável.

A primeira noite em que Isabel o chamou “Afonso” em vez de “Eduardo”, ele trancou-se no escritório e desatou a chorar.

E, no meio de tudo, continuava a pensar no rapaz. Tiago.

Na quarta-feira à tarde, voltou à Rua Garrett, agasalhado, mas com o mesmo nó estranho no estômago. Caminhou sem saber bem o que procurava. Olhou para portais, para caixas multibanco, para bancos.

Por fim, o cheiro a fumo guiou-o até um beco lateral. Ali, à volta de um bidão aceso, quatro pessoas aqueciam-se. Um deles, com o mesmo cobertor cinzento, ergueu o olhar.

—Tiago —disse Eduardo, sem ter a certeza de por que se alegrava ao reconhecê-lo.

O rapaz franziu a testa, desconfiado. Eduardo era uma imagem estranha naquele contexto: casaco caro, cachecol impecável, relógio que podia pagar a renda de todos eles durante um ano.

—Queria falar contigo —acrescentou Eduardo, erguendo as mãos num gesto pacífico—. Só… agradecer-te verdadeiramente o que fizeste pela minha mãe. E explicar-te.

Afastaram-se um pouco do grupo. Tiago ouviu em silêncio enquanto Eduardo lhe contava o diagnóstico, o susto, a nova realidade. Não fez perguntas indiscretas, só assentia.

—Lamento muito —disse no fim—. É duro ver alguém que amamos a desaparecer pouco a pouco. Os meus pais… —ergueu o olhar por um momento para o céu plúmbeo— também se foram assim, de repente. É outra forma, mas o vazio sente-se igual.

Eduardo olhou-o com mais atenção.

—Quantos anos tens? —perguntou.

—Vinte e sete.

—Há quanto tempo estás na rua?

—Dois anos.

Não o disse com vitimização, mas com uma espécie de resignação tranquila, como quem afirma um facto.

Eduardo hesitou um instante, depois perguntou:

—O que fazias antes?

Tiago esboçou um sorriso amargo.

—Estudava arquitetura no Técnico. Quinto ano. Estava a preparar o projeto final quando… —encolheu os ombros— quando tudo desmoronou. Os meus paisOs anos que se seguiram provaram que, por vezes, as histórias mais improváveis são as que melhor nos ensinam sobre amor, gratidão e a verdadeira medida da riqueza.

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