Não sabe ler nem escrever, nunca foi à escola e assina o nome com um “X”. Vive com 600 euros por mês, dinheiro que ganha a recolher latas, cartão e garrafas de plástico. Para juntar 600 euros, precisa de recolher cerca de 600 quilos de material por mês. Vinte quilos por dia. Sete dias por semana. É um trabalho duro, pesado e, por vezes, humilhante. Mas é tudo o que tem.
Na terça-feira, 14 de março de 2024, às 6 da manhã, Dona Maria estava no seu ponto habitual, no bairro de Alfama, a revistar os contentores de lixo de prédios residenciais. Abriu um saco de lixo grande e pesado, geralmente um mau sinal para os recicladores, porque os sacos pesados costumam ter comida estragada.
Mas mesmo assim abriu-o.
Dentro, encontrou uma mochila escolar azul-marinho. Velha, mas fechada com um fecho de correr. Abriu-a.
E viu dinheiro. Muito dinheiro. Montes de notas de 100 e 50 euros, amarradas com elásticos.
Não sabia contar bem, mas entendia que era uma fortuna.
Olhou em volta. A rua estava vazia. Meteu a mochila no seu carrinho, cobriu-a com cartões e foi para casa.
Às 8 da manhã, chamou a sua vizinha, Dona Ana, que sabia ler e contar.
“Ana, ajuda-me a contar isto.”
Quando abriu a mochila, Dona Ana ficou branca. Demorou quarenta minutos a contar tudo.
“Maria… aqui estão 180 mil euros.”
Dona Maria piscou os olhos, confusa.
“Quanto é isso?”
“É o equivalente a trezentos meses do teu salário. Quinze anos de trabalho.”
O silêncio encheu a sala. Dona Maria olhou para o dinheiro e depois para a sua casinha de madeira: telhado com goteiras, fogão avariado, frigorífico velho.
Com 180 mil euros, podia arranjar tudo. Podia deixar de trabalhar durante anos. Podia viajar até ao Porto para visitar a sua filha.
Mas simplesmente abanou a cabeça.
“Ana, isto não é meu. Alguém deve estar desesperado por este dinheiro.”
Às 10 da manhã, Dona Maria foi à Esquadra da PSP de Alfama com a mochila. O agente olhou para ela: uma mulher que recolhia lixo, com roupa gastada, cheiro a desperdícios e uma mochila velha nas mãos.
“Sim, senhora? Em que posso ajudá-la?”
“Encontrei isto no lixo. Tem dinheiro lá dentro. Muito dinheiro. Preciso de encontrar o dono.”
O agente abriu a mochila e ficou gelado.
“Quer devolver isto?”
“Sim. Não é meu.”
A polícia contou: 180.400 euros.
O agente explicou:
“Sem documentos, sem identificação… legalmente, depois de 90 dias, este dinheiro seria seu.”
Dona Maria não entendeu bem, mas respondeu:
“Então voltarei todos os dias até encontrarmos o dono.”
E assim fez.
Dia 1: “Apareceu o dono?”
Dia 2: “E hoje?”
Dia 3, 4, 5, 6… todos os dias, às 10 da manhã, regressava à esquadra.
Os agentes ficavam cada vez mais emocionados.
“Esta mulher ganha 600 euros por mês e está à procura do dono de 180 mil.”
No sétimo dia, a esquadra publicou a história nas redes sociais:
“Foram encontrados 180 mil euros numa mochila azul em Alfama. A pessoa que a encontrou quer devolvê-la. Se perdeu, apareça com provas.”
A publicação tornou-se viral:
240 mil partilhas, 3,2 milhões de visualizações.
E no nono dia, aconteceu algo que mudaria a vida de Dona Maria para sempre.
Nessa manhã, um homem de cerca de 40 anos chegou à esquadra, ofegante, com documentos, extratos bancários e imagens de segurança do seu prédio.
Tinha sido roubado. Os ladrões levaram a mochila, pensando que tinha o seu computador de trabalho. Quando viram que era só dinheiro —parte para a cirurgia da mãe, parte para pagar dívidas— atiraram-na para o lixo.
A polícia chamou Dona Maria. Quando o homem viu a mochila, desfez-se em lágrimas.
“Salvou a vida da minha mãe. Não tenho palavras para agradecer.”
Dona Maria apenas sorriu.
“Vá em paz, filho. O que é seu deve voltar para si.”
A história espalhou-se por todo o país. Jornais, rádios e programas de televisão queriam entrevistá-la. Pessoas de toda a parte comoveram-se com a sua honestidade.
Em poucos dias, começaram a chegar doações: comida, móveis, eletrodomésticos, materiais de construção. Um grupo de voluntários criou uma vaquinha online: arrecadou mais de 220 mil euros, mais do que ela tinha devolvido.
Com a ajuda da comunidade, Dona Maria renovou a casa, conseguiu um frigorífico novo, um fogão novo, uma cama decente e um telhado em condições. E, pela primeira vez em décadas, pôde descansar alguns dias sem se preocupar com a próxima carga de lixo.
Quando lhe perguntaram por que devolveu o dinheiro, respondeu:
“Porque se fosse meu, gostava que mo devolvessem. Deus deu-me pouco… mas deu-me consciência.”
Hoje, Dona Maria continua a viver com simplicidade, mas com mais dignidade, conforto e reconhecimento. A sua história é um lembrete de que a honestidade não tem a ver com riqueza, mas com as escolhas que fazemos.
E assim, uma mulher que quase não tinha nada tornou-se um símbolo do que realmente importa.





