Antes de partir, minha avó segurou minha mão e sussurrou algo chocante. Por que não procurei antes?6 min de lectura

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Ana Mendes voltou à casa antiga da avó em Coimbra, dois dias depois do funeral. As salas pareciam mais frias do que ela se lembrava, como se o próprio ar sentisse que o único calor daquela casa se tinha esvaído. Caminhou pela sala devagar, os olhos percorrendo a parede cheia de fotografias antigas da família—casamentos, retratos desbotados, festas de aniversário que mal recordava.

A avó, Maria Mendes, apertara-lhe a mão no hospital e murmurara as últimas palavras:
“Ana… olha atrás das molduras.”
Na altura, Ana pensou que fosse o delírio de uma mulher à beira da morte. Mas a forma como os olhos de Maria se fixaram nos dela—firmes, urgentes—assombrava-a agora.

Aproximou-se da primeira moldura. As mãos tremiam ligeiramente ao levantar a madeira do prego. Nada. Apenas um pedaço de parede mais claro. Verificou a próxima. Nada novamente. Mas continuou, impelida por algo que não sabia nomear—medo, esperança, ou talvez a necessidade de honrar a única pessoa que sempre a protegera.

Na oitava moldura, os dedos tocaram em algo colado atrás. Um envelope de papel pardo, selado.

Dentro estavam documentos legais dobrados com cuidado. A primeira folha fez-lhe prender a respiração—
Uma escritura que transferia a propriedade de 10 hectares em Leiria para Ana Mendes. Datada de quando ela tinha catorze anos.
Nunca a vira antes.

O coração disparou quando tirou um envelope azul, também selado. Na frente, escrito à mão pela avó:
“Se algo me acontecer, isto é só para a Ana.”

Abriu-o.

Dentro havia uma pen USB, uma carta de uma página e uma lista de nomes—incluindo o do pai, Carlos Mendes, a madrasta, Sandra, e alguém de quem não ouvira falar há quase vinte anos: o Sr. Almeida, o professor do básico que foi despedido depois de “um incidente” com ela. Ana lembrava-se da fúria do pai, os gritos, a polícia a chegar—mas fora nova demais para entender.

Mas a carta fez-a sentar no sofá, com as pernas a tremer.

“Ana, o incidente com o Sr. Almeida não foi o que te contaram. Tenho provas do que aconteceu realmente. Guarda esta pen com cuidado. E prepara-te—o teu pai fará de tudo para esconder a verdade.”

Ana olhou para a pen enquanto o medo lhe apertava o peito.

Mal estendeu a mão para o portátil, luzes de carro iluminaram a janela—
Era o carro do pai.

E ele vinha a caminho da casa.

O coração de Ana acelerou quando Carlos Mendes entrou com a chave que nunca devolvera. Olhou em redor com desconfiança.

“O que estás aqui a fazer sozinha?” perguntou, esquadrinhando a sala como se esperasse encontrar algo escondido.

Ana forçou a voz a ficar calma. “Só a arrumar. A avó deixou muita coisa.”

Os olhos de Carlos pousaram na pen em cima da mesa antes que ela a escondesse. A mandíbula apertou-se. “Onde arranjaste isso?”

“Nas coisas dela,” respondeu, mantendo o tom neutro.

Ele aproximou-se, a voz baixa. “Ana… há coisas que é melhor deixar estar.”

Um nó gelado apertou-lhe o estômago. O aviso da avó subitamente parecia dolorosamente literal.

Assim que ele subiu—como quem “ia ver o sótão”—Ana agarrou o portátil, enfiou a pen no bolso e saiu pela porta traseira. Dirigiu-se a um café aberto toda a noite e abriu os ficheiros.

Havia gravações. Datas que reconhecia. Noites em que chorara até adormecer. Vídeos do pai a gritar com ela, mas o mais chocante era um clip da escola—
Carlos Mendes sozinho no corredor, a esconder uma garrafa de álcool na gaveta do Sr. Almeida. Outro ficheiro mostrava-o a ameaçar o professor à saída da escola.

A verdade atingiu-a:
O pai incriminara um homem inocente para se proteger.

Mas de quê?

A resposta estava numa pasta chamada: “Para a Ana — quando tiver idade.”

Dentro havia fotografias—
Fotos de Ana criança, com nódoas negras nos braços.
Fotos tiradas às escondidas pela avó.
Relatórios médicos que Maria recolhera.
E um último documento: um depoimento escrito à mão pelo Sr. Almeida, explicando que tentara denunciar os maus-tratos, mas Carlos ameaçara arruinar-lhe a vida.

As mãos de Ana tremeram ao tapar a boca.

A avó andara a juntar provas durante anos.

O telemóvel vibrou.

Uma mensagem de um número desconhecido:
“Ouvi que a Maria faleceu. Está na hora de conversarmos. — Almeida.”

Ana ficou sem ar. Ele estava vivo. Ainda em Portugal.

Dirigiu-se ao endereço que ele dera—um pequeno chalé perto da fronteira. A porta abriu antes de bater. O Sr. Almeida estava lá, mais velho, mais sereno, os olhos cheios de compreensão, não de rancor.

“A tua avó disse-me que um dia virias,” murmurou.

Dentro do chalé havia uma caixa. Grande. Cheia de mais documentos—cópias de tudo o que Maria recolhera, além de novos ficheiros que Almeida juntara.

Mas uma coisa parou Ana:
Uma foto da mãe, tirada na noite antes de ela “cair das escadas.”

E o homem atrás dela na foto—
era Carlos.

Ana olhou para a foto, a garganta apertada. A mãe, Sofia Mendes, morrera quando Ana tinha nove anos. O pai insistira sempre que foi um acidente—Sofia era “desastrada,” dizia ele. Escorregara nas escadas com roupa na mão.

Mas a foto nas mãos trémulas de Ana contava outra história.

Sofia estava na cozinha, o medo nos olhos. Atrás dela, a mão de Carlos agarrava-lhe o braço com tanta força que a pele estava vermelha.

Almeida sentou-se ao lado dela. “A tua avó nunca acreditou que a morte da Sofia fosse acidental. Passou anos a investigar. Mas todos que trabalhavam com o teu pai—polícias, juízes—calaram-na.”

“Porquê?” sussurrou Ana.

“Porque o Carlos não era só teu pai,” disse Almeida. “Tinha contactos. Amigos no Ministério Público. Alguém poderoso ajudou a fazer o caso desaparecer.”

Ana sentiu o chão a inclinar-se. “Então ele matou-a?”

Almeida não respondeu diretamente. Em vez disso, entregou-lhe um envelope com a etiqueta “Autópsia — Revisada.”
Dentro havia uma carta de um médico legista reformado, admitindo que fora pressionado a alterar o relatório na noite em que Sofia morreu.

Ana levantou-se de repente. “Tenho de ir à polícia.”

Almeida pousou-lhe uma mão firme. “Vais. Mas precisas de alguém que não seja influenciado. A Maria planeou isto. Deu-me o nome de uma jornalista de confiança.”

Entregou-lhe um cartão: Joana Moreira, Jornalista de Investigação, Público.

Ana contactou Joana na manhã seguinte. Em horas, Joana chegou ao chalé, registou cada detalhe, examinou cada ficheiro e fez cópias de tudo.

“Isto não vai ficar quieto,” avisou Joana. “Se expusermos isto, vai arrastar mais gente do que o teu pai.”

“Não me importo,” sussurrou Ana. “A minha mãe merece justiça.”

Duas semanas depois, a notícia explodiu no país:
HOMEM DE LEIRIA LIGADO A ENCobRIMENTO NA MORTAna olhou para o horizonte, sentindo pela primeira vez um sopro de paz, sabendo que a luta da avó e da mãe finalmente trouxera justiça, e que o silêncio que as aprisionara fora quebrado para sempre.

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