**Diário de Pedro Ribeiro**
Estava habituado a chegar a casa depois das 21h, quando todos já estavam a dormir. Porém, hoje a reunião com os investidores em Lisboa terminou mais cedo do que o esperado, e decidi ir direto para casa sem avisar ninguém. Ao abrir a porta da mansão no bairro do Estoril, parei, incapaz de processar o que via. No meio da sala, Joana, a empregada doméstica de 28 anos, estava de joelhos no chão molhado, com um pano na mão. Mas não foi isso que me deixou paralisado.
Era a cena ao lado dela. O meu filho, Tomás, de apenas quatro anos, estava de pé com as suas pequenas muletas roxas, segurando um pano de cozinha e tentando ajudar a moça a limpar o chão.
«Tia Joana, eu consigo limpar esta parte aqui», disse o loirinho, esticando o bracinho com dificuldade.
«Não te preocupes, Tomás, já me ajudaste muito hoje. Que tal sentares-te no sofá enquanto eu termino?», respondeu Joana com uma doçura que eu nunca lhe tinha ouvido antes.
«Mas eu quero ajudar. A senhora sempre diz que somos uma equipa», insistiu o miúdo, tentando equilibrar-se melhor nas muletas.
Fiquei ali, invisível, observando aquela interação. Havia algo naquele gesto que me comoveu de um jeito inexplicável. Tomás sorria, algo que raramente via em casa.
«Está bem, meu ajudante, mas só mais um bocadinho», disse Joana, cedendo à ajuda do menino.
Foi então que Tomás me viu no corredor. O seu rostinho iluminou-se, mas os olhos azuis tinham uma mistura de surpresa e medo.
«Pai, chegaste cedo!», exclamou, tentando virar-se rápido e quase perdendo o equilíbrio.
Joana levantou-se de um salto, assustada, deixando cair o pano. Secou as mãos no avental e baixou a cabeça. «Boa noite, senhor Pedro. Não sabia que estava em casa.»
«Estava só a acabar de limpar», gaguejou, claramente nervosa.
Eu ainda tentava processar a cena. Olhei para o Tomás, que ainda segurava o pano, e depois para Joana, que parecia querer desaparecer.
«Tomás, o que estás a fazer?», perguntei, tentando manter a calma.
«Estou a ajudar a tia Joana, pai! Olha!» Tomás deu uns passos hesitantes na minha direção, orgulhoso. «Hoje consegui ficar de pé quase cinco minutos sozinho!»
Olhei para Joana, à espera de uma explicação. Ela continuava cabisbaixa, torcendo as mãos.
«Cinco minutos?», repeti, surpreso. «Como assim?»
«A tia Joana ensina-me exercícios todos os dias. Diz que se eu treinar muito, um dia consigo correr como os outros meninos», explicou Tomás, entusiasmado.
O silêncio encheu a sala. Senti uma mistura de raiva, gratidão e confusão. «Exercícios?», questionei.
Joana finalmente ergueu o olhar, os olhos castanhos cheios de medo. «Senhor Pedro, era só brincadeira com o Tomás. Não queria fazer nada de errado. Se o senhor quiser, vou embora.»
«A tia Joana é a melhor!», Tomás interrompeu, colocando-se entre nós. «Pai, ela nunca desiste de mim quando eu choro porque dói. Diz que sou forte como um guerreiro.»
Algo apertou-me o peito. Quando foi a última vez que vi o meu filho tão feliz? Quando foi a última vez que conversei com ele por mais de cinco minutos?
«Tomás, vai para o teu quarto. Preciso falar com a Joana», disse, tentando soar firme mas gentil.
«Mas pai…» «Agora, Tomás.»
Ele olhou para Joana, que lhe sorriu, sinalizando que estava tudo bem. Tomás afastou-se, mancando com as muletas, mas antes de subir as escadas, gritou: «A tia Joana é a melhor pessoa do mundo!»
Fiquei a sós com Joana na sala. Aproximei-me, reparando pela primeira vez que as calças azuis dela estavam molhadas nos joelhos e as mãos vermelhas de esfregar o chão.
«Há quanto tempo isto acontece?», perguntei. «Os exercícios. Há quanto tempo os fazes com o Tomás?»
Ela hesitou. «Desde que comecei a trabalhar aqui, senhor, há seis meses. Mas juro que nunca deixei de fazer o meu trabalho. Fazemos os exercícios na hora do almoço ou depois de eu terminar tudo.»
«Não te pagam extra por isso», observei.
«Não, senhor, e não peço nada. Gosto de brincar com o Tomás. Ele é especial.»
«Especial? Como?»
Joana pareceu surpresa. «Como assim, senhor?»
«Disseste que ele é especial. Especial como?»
Ela sorriu pela primeira vez desde que eu chegara. «É determinado, senhor. Mesmo quando os exercícios doem, ele não desiste. E tem um coração enorme. Preocupa-se sempre se estou cansada ou triste. É um menino muito carinhoso.»
Aquela pressão no peito voltou. Quando foi a última vez que reparei nessas qualidades no meu próprio filho?
«E os exercícios, como sabes o que fazer?»
Joana baixou novamente o olhar. «Tenho experiência nisso, senhor.»
«Que tipo de experiência?»
Houve uma pausa longa. Ela parecia lutar contra as palavras. «O meu irmão mais novo, o Miguel, nasceu com problemas nas pernas. Passei a minha infância a levá-lo à fisioterapia, a aprender exercícios e a ajudá-lo a andar. Quando vi o Tomás… não consegui ficar a vê-lo triste.»
«Triste?»
«Com todo o respeito, senhor, o Tomás está muito só. A senhora Beatriz está sempre ocupada com as amigas, e o senhor… bem, o senhor trabalha muito. Pensei que talvez pudesse ajudar.»
«Mas se o senhor não quiser, paro já. Só queria…»
«O que querias, Joana?»
Ela ergueu os olhos, e pela primeira vez, vi determinação neles. «Queria vê-lo sorrir mais, senhor. Uma criança devia sorrir todos os dias.»
Fiquei em silêncio. Quantas vezes tinha visto o Tomás sorrir nas últimas semanas? Não me lembrava de nenhuma.
**Lição aprendida:** Às vezes, as pessoas mais importantes entram nas nossas vidas sem aviso. Joana não era só uma empregada. Era quem ensinou ao meu filho a coragem e a mim, o valor de estar presente. Hoje, olho para trás e vejo que a verdadeira riqueza não está no dinheiro, mas nos pequenos gestos que mudam tudo.





