**Diário de Mariana**
Era uma noite chuvosa em Sintra. Mariana estava sentada no chão frio, abraçando o ventre que começava a arredondar-se. Na sala, André falava baixinho com uma mulher cuja identidade não precisava ser adivinhada. Já não tinha forças para perguntar: tudo era claro.
Tivera de sacrificar tudo: voltou a trabalhar, ajudou André a abrir o seu restaurante em Sintra e humilhou-se. Mas quando o negócio prosperou, as primeiras palavras que ouviu foram: *«Agora amo-te.»*
No início, pensou que aguentaria. Pela criança. Mas quando André atirou a ecografia ao chão e disse friamente: *«Faz o que tens a fazer, eu pago tudo»*, percebeu que não havia mais nada a que regressar.
Em silêncio, guardou na mala algumas roupas e as economias que juntara. Antes de sair, olhou para a foto de casamento na parede e murmurou: *«Não vou chorar mais.»*
Pegou no autocarro para o Porto: uma cidade grande o suficiente para se esconder, longe o bastante para não ser encontrada, nova o suficiente para recomeçar.
Ao chegar, já estava no quinto mês. Sem casa, sem família, sem emprego… só o desejo ardente de viver pelo filho.
Arranjou trabalho como empregada de mesa num pequeno café perto da Ribeira. A dona, Dona Isabel, compadeceu-se dela e ofereceu-lhe um quartinho atrás da cozinha. *«É assim a vida de uma mulher. Por vezes, tens de ser mais corajosa do que imaginas»*, dizia-lhe.
Em outubro, nasceram no hospital da cidade duas gémeas. Chamou-lhes Beatriz e Carolina, na esperança de que as suas vidas fossem firmes e fortes, como os seus nomes.
Passaram-se sete anos. Mariana tinha agora uma pequena floraria na Rua Augusta, suficiente para sustentar as três. As meninas eram brilhantes: Beatriz, risonha; Carolina, séria… mas ambas loucas pela mãe.
Numa noite de Natal, ao ver as notícias, Mariana viu André no ecrã: um empresário bem-sucedido em Sintra, dono de uma cadeia de restaurantes, casado com Joana, a antiga amante. De mãos dadas, sorriam para a câmara como uma família perfeita.
Mas o sangue de Mariana já não ferveu. A raiva passara; só restava a deceção e um sorriso amargo.
Olhou para as filhas, belas e cheias de vida. Crianças que o pai quisera que abortasse, mas que agora eram a sua maior força.
Naquela noite, escreveu no Facebook, onde estivera em silêncio por sete anos:
*«Voltei. E já não sou a Mariana de outrora.»*
**O Regresso**
Depois do Natal, Mariana regressou a Sintra com as gémeas. Instalou-se numa casinha perto do centro e assumiu o nome de Marta Almeida.
Não queria o reconhecimento de André. Apenas fazê-lo provar o mesmo amargo desprezo e a mesma humilhação.
Candidatou-se como coordenadora de eventos nos restaurantes da cadeia de André. Sob a nova identidade, depressa se tornou conhecida como Marta: profissional, firme, fácil de lidar. André não a reconheceu; pelo contrário, parecia seduzido pelo carisma daquela funcionária.
— *«Pareces-me familiar. Já nos vimos?»* — perguntou ele num evento da empresa.
Marta sorriu, um brilho frio no olhar:
— *«Talvez num sonho. Mas eu sou o tipo de mulher que se esquece facilmente.»*
Um desconforto apertou-lhe o peito.
**A Descoberta**
Semanas depois, André sentiu-se cada vez mais atraído por Marta. Ela, por sua vez, deixava pistas: a música que ele adorava, o prato que cozinhava no aniversário de Mariana, o verso de poesia que um dia lhe dedicara.
André não conseguiu ficar indiferente. Quem era, afinal, Marta?
Investigou o seu passado e descobriu: Marta Almeida, natural do Porto, mãe solteira de gémeas.
*Gémeas?* Um arrepio percorreu-lhe a espinha.
Um dia, apareceu inesperadamente à porta de Marta. Quando esta abriu, duas meninas olharam para ele. Uma delas perguntou:
— *«Tio, porque é que eu me pareço tanto contigo?»*
Foi como se um balde de água gelada lhe caísse sobre a cabeça.
Marta apareceu e disse:
— *«Pronto. Agora conheces as tuas filhas.»*
André empalideceu.
— *«Tu… és a Mariana?»*
Ela confirmou.
— *«Não. Sou a mãe das meninas que querias que eu abortasse. A mulher que “mataste” para ficar com a tua amante.»*
André ficou paralisado. As memórias invadiram-no: o momento em que rejeitou o bebé, a frieza das suas palavras. E agora, diante dele, duas crianças vivas, testemunhas da sua culpa.
Nessa mesma noite, André voltou à casa de Marta e ajoelhou-se à porta. Chorando, suplicou:
— *«Perdoa-me. Dá-me uma chance. Deixa-me ser pai delas.»*
Mas Marta respondeu com firmeza:
— *«Não tens direito a ser pai. Não as escolheste. Devias ter lutado por elas, mas rejeitaste-as. Queres redimir-te agora? As minhas filhas não são troféus do teu remorso.»*
— *«Só quero pagar pelo que fiz…»*
— *«Vais pagar»*, interrompeu. *«A partir de amanhã, transfere 20% das ações dos teus restaurantes para a Fundação de Apoio a Mães Solteiras. E farás isso por escrito: como um pedido de perdão.»*
André tremeu:
— *«Estás a usar as crianças para me pressionar?»*
Marta sorriu, friamente:
— *«Não. É o preço do teu pecado, para aprenderes responsabilidade.»*
Meses depois, Marta e as gémeas regressaram ao Porto. André ficou: abatido, em silêncio, visitando diariamente a fundação que agora levava o seu nome. Ouviu histórias de mulheres cujos maridos também as tinham “matado” por dentro, como ele fizera a Mariana.
Uma tarde, Beatriz perguntou à mãe:
— *«Mãe, porque é que não podemos chamar-lhe pai?»*
Marta acariciou o cabelo das filhas e respondeu:
— *«Porque ele não vos escolheu. Eu escolhi: fiquei. Por isso, chamem-me só “mãe”. Isso basta.»*
E assim termina esta história: não com um grito de raiva, mas com o silêncio de uma mulher forte. Escolheu lutar pela sua dignidade e transformou a sua força em arma.
É a mulher que um dia tentaram derrubar, mas que se levantou e provou o que é justiça.





