Era uma tarde de verão abrasador na pequena aldeia alentejana de Monsaraz. Eu, Inês, agachava-me no quintal, recolhendo paus secos para acender o fogão a lenha. Na porta da nossa humilde casa, o meu filho João, de dez anos, observava-me com os seus grandes olhos castanhos cheios de perguntas.
“Mãe, porque é que não tenho um pai como os meus amigos da escola?”
Apertei os lábios. Dez anos se passaram e ainda não encontrava as palavras certas para responder.
Os Anos de Humilhação
Quando engravidei, os murmúrios começaram a pairar sobre a aldeia como o vento quente do Alentejo:
“Santa Maria! Grávida sem marido! Que vergonha para a família!”
Engoli as lágrimas e segui em frente. Com a barriga crescendo, trabalhei onde pude – a ceifar os campos, a lavar roupa no rio, a servir mesas na tasca da aldeia.
Alguns atiravam lixo à porta de casa. Outros comentavam alto quando eu passava:
“O pai da criança deve tê-la abandonado. Quem iria querer uma desgraçada dessas?”
Eles não sabiam que o homem que amei, Duarte, ficara radiante quando lhe disse que estava grávida.
Prometeu que voltaria no dia seguinte, depois de falar com os pais para pedir a bênção para nos casarmos. Acreditei nele com todo o meu coração.
Mas no dia seguinte, desapareceu como o orvalho ao sol da manhã.
Anos se passaram, e criei o João sozinha.
Houve noites de revolta, noites em que chorei e rezava para que o pai dele estivesse vivo… mesmo que me tivesse esquecido.
Uma Década de Luta
Para pagar a escola do João, trabalhei até os ossos doírem. Guardava cada cêntimo, engolia cada lágrima.
Quando os colegas gozavam com ele por não ter pai, eu abraçava-o e sussurrava:
“Tens uma mãe, filho. E isso basta.”
Mas as palavras das pessoas eram como facas que me esfaqueavam o coração repetidamente.
À noite, enquanto ele dormia, eu olhava para a lamparina e lembrava-me de Duarte – o seu sorriso fácil, os olhos cheios de calor humano – e chorava em silêncio.
O Dia em que os Carros de Luxo Pararam à Minha Porta
Numa manhã chuvosa, enquanto remendava as calças do João, ouvi o ronco de motores potentes.
Vizinhos começaram a aparecer nas portas.
Diante da nossa modesta casa, parou uma pequena frota de Mercedes pretos – reluzentes, caríssimos, como nada que a nossa aldeia já tivesse visto.
O murmúrio começou a crescer…
A Chuva que Mudou Tudo
O sol caía a pique sobre Monsaraz, transformando as ruas de terra em trilhos poeirentos que grudavam na pele e na alma. Eu, Inês, estava no quintal, juntando gravetos para o fogão, as mãos calejadas por uma década de trabalho sem fim.
“Mãe?” Olhei para cima e vi o João no vão da porta, sua silhueta frágil destacando-se contra a penumbra da nossa casa.
“Sim, meu amor?”
Ele aproximou-se, franzindo os olhos contra a luz. “Porque é que eu não tenho pai como os outros meninos?”
A pergunta caiu como uma pedra no lago tranquilo da minha resignação. Sabia que um dia chegaria. As crianças sempre fazem as perguntas que mais tememos responder.
“Vem ajudar-me com estes paus”, disse, desviando como sempre fazia, apesar de já ter lenha suficiente.
João agachou-se ao meu lado, seus braços fininhos recolhendo os gravetos menores. “O pai do Miguel foi à escola hoje. E o da Ana trouxe-lhe uma mochila nova. E o do Pedro…”
“Eu sei”, interrompi suavemente. “Sei que os outros têm pais.”
“Então onde está o meu?”
Uma década. Dez anos desde que o meu mundo desabou, e ainda não tinha uma resposta que não partisse o coração dele como o meu tinha sido partido.
“O teu pai…”, comecei, e parei. Como explicar a uma criança que o homem que o concebeu desapareceu como fumo antes dele nascer?
“O teu pai amava-te muito”, disse por fim, repetindo o que já dissera tantas vezes. “Mas teve de ir embora.”
“Quando é que ele volta?”
“Não sei, meu amor. Não sei.”
O Começo de Tudo
Tinha vinte e dois anos quando conheci Duarte. Ele visitava a aldeia da tia durante o verão, e parecia tão diferente dos rapazes da terra – vestia camisas de linho que cheiravam a alfazema, tinha um relógio que marcava as horas com precisão suíça, falava com a confiança de quem viajara para além das fronteiras do Alentejo.
Conhecemo-nos na feira, onde eu vendia os legumes da horta da família. Ele comprou tomates que claramente não precisava, só para puxar conversa. E eu, jovem e ingénua, apaixonei-me imediatamente.
Durante três meses, fomos inseparáveis. Ele falava-me de Lisboa – de restaurantes onde serviam bacalhau em pratos de porcelana, de edifícios que arranhavam o céu, de uma vida que eu mal podia imaginar.
E eu ensinava-lhe os segredos da aldeia – o melhor lugar para ver o pôr-do-sol, como escolher os melhores figos, a prever a chuva pelo voo das andorinhas.
Quando lhe disse que estava grávida, seu rosto iluminou-se com uma alegria tão pura que me fez acreditar que tudo daria certo.
“Vou para casa amanhã”, disse, segurando minhas mãos. “Falo com meus pais, peço a bênção deles e volto para te buscar. Vamos casar. Vamos criar o nosso filho juntos.”
“Prometes?”
“Prometo. Volto em três dias. Quatro no máximo.”
Despedimo-nos com um beijo no ponto de ônibus, sua mão pousada na minha barriga ainda lisa. “Toma conta do nosso bebê”, disse.
Observei o ônibus desaparecer na estrada, a poeira levantando-se em sua esteira.
Foi a última vez que o vi.
A Crueldade dos Sussurros
Quando a gravidez começou a aparecer, Duarte já estava ausente há dois meses. Enviei cartas para o endereço que me dera – sua tia jurou que era o correto – mas não obtive resposta.
A aldeia começou a reparar.
“A Inês está a engordar”, comentaram no mercado, com aquele tom que deixava claro que sabiam o porquê.
“Mas ainda não tem marido”, acrescentou outra voz.
“Deve ter-se envolvido com algum playboy de Lisboa que a usou e depois a largou.”
Os sussurros me seguiam por toda parte. No início, tentei manter a cabeça erguida, preservar minha dignidade. Meus pais acreditaram quando disse que Duarte voltaria, que devia haver uma explicação para seu silêncio.
Mas conforme minha barriga crescia e os meses passavam, até a fé do meu pai vacilou.
“Talvez devas ir à cidade”, sugeriu ele uma noite. “Procurá-lo.”
“Nem sequer sei onde ele mora em Lisboa”, admiti. “Só que é perto do Chiado. Pode ser qualquer lugar.”
Minha mãe apertou minha mão. “Oh, Inês. O que vamos fazer?”
Ao sexto mês, os sussurros tornaram-se escárnio aberto. Estava a colher azeitona no campo de um vizinho – precisando do dinheiro, incapaz de parar de trabalhar – quando um grupo de mulheres passou por mim.
“Que vergonha”, disse uma, alto o suficiente para eu ouvir. “Grávida e solteira. O que diria a avó dela?”
“A avó deve estar a revirar-se no túmulo”, respondeu outra.
“Nenhum homem decente vai querê-la agora. Vai ficar sozinha para sempre.”
Continuei trabalhando, mantendo a cabeça baixa, me movendoE no final, quando o tempo curou as feridas e as lágrimas secaram, descobrimos que o amor verdadeiro nunca nos abandona, apenas se transforma em novas bênçãos que chegam quando menos esperamos.





