A chuva batia no para-brisas do velho táxi amarelo enquanto Henrique ajustava o chapéu de motorista que comprara naquela mesma manhã. Suas mãos, acostumadas a assinar contratos de milhões, tremiam levemente sobre o volante gasto. Nunca imaginara que chegaria a isso: espiar a própria esposa disfarçado de taxista.
Henrique construíra um império empresarial do zero. Aos quarenta e poucos anos, era dono de uma cadeia de hotéis de luxo que se estendia por todo o país. Seu nome aparecia regularmente nas páginas de negócios dos principais jornais, e seu rosto era reconhecido nos círculos mais exclusivos de Lisboa. Mas naquela manhã, sentado no táxi emprestado por Fernando, seu motorista de confiança, sentia-se como o homem mais pobre do mundo.
Tudo começara uma semana antes, quando encontrara uma mensagem no telemóvel de Joana que mudara seu mundo para sempre. *”Amanhã às três, como sempre. Amo-te.”* O bilhete, de um número desconhecido, revelava o que ele mais temia: sua esposa, a mulher com quem partilhava tantos anos de casamento, a mãe dos seus filhos, tinha um amante.
Joana era tudo o que Henrique sempre sonhara numa mulher — elegante, inteligente, com um sorriso que iluminava qualquer sala. Conheceram-se quando ele ainda começava nos negócios, e ela estivera ao seu lado em todos os anos de luta e sucesso. Pelo menos, era o que ele pensava. A ideia do disfarce surgira quando Henrique percebeu que contratar um detetive seria arriscado. Na sua posição, qualquer rumor poderia arruinar não só o casamento, mas também sua reputação.
Fernando, que trabalhava para a família há anos, sugerira a ideia maluca: *”Se quer descobrir a verdade sem que ninguém saiba, terá de ser você mesmo a fazê-lo. Arranjo-lhe um táxi e ensino-o a conduzi-lo. Ninguém o reconhecerá.”* No início, Henrique rejeitara a ideia, achando-a absurda. Mas, quanto mais pensava, mais sentido fazia. Joana jamais desconfiaria que o marido milionário conduzia um táxi pelas ruas da cidade.
Durante três dias, Fernando ensinou-lhe o básico: usar o taxímetro, as rotas mais comuns, como tratar os passageiros. Henrique surpreendeu-se com o quanto desconhecia da cidade que julgava dominar, sempre vista pelas janelas dos seus carros de luxo.
No quarto dia, posicionou-se num canto perto do centro comercial onde Joana costumava fazer compras. Usava óculos escuros, um chapéu desgastado e uma camisa xadrez comprada para a ocasião. Deixara a barba crescer, mudando por completo sua aparência. Esperou horas, observando cada carro, cada pessoa que passava. O coração disparava sempre que avistava uma figura parecida com Joana. Mas ela não apareceu.
No segundo dia, quase desistiu. A incerteza consumia-o, e começou a questionar se interpretara mal a mensagem. Talvez houvesse uma explicação inocente. Mas então lembrou-se de outros detalhes: as chamadas que Joana interrompia quando ele entrava, as saídas cada vez mais frequentes, o cuidado extra com a aparência até para tarefas simples.
No terceiro dia, finalmente a viu. Joana saiu do centro comercial com sacos de compras, mas seu comportamento era estranho. Olhava em volta como quem espera alguém — ou teme ser vista. O estômago de Henrique embrulhou-se ao vê-la dirigir-se ao ponto de táxis. Sem pensar, acelerou e parou diante dela.
Joana entrou no banco de trás sem sequer olhar para ele — algo que ele agradeceu. *”Boa tarde”*, disse Henrique, disfarçando a voz. *”Para onde deseja ir?”* Joana deu um endereço que ele não reconheceu de imediato. Era num bairro modesto, bem diferente da zona nobre onde viviam.
Enquanto conduzia, observava-a pelo retrovisor. Joana parecia nervosa, verificando o telemóvel e ajustando o cabelo. Usava um vestido que ele nunca vira, e as jóias eram diferentes do habitual. *”É a primeira vez que vai a esse endereço?”*, perguntou, tentando soar casual.
Joana ergueu os olhos pela primeira vez. No retrovisor, Henrique viu seus lindos olhos verdes, os mesmos de que se enamorara anos atrás, mas agora com uma mistura de ansiedade e culpa. *”Não”*, respondeu suavemente. *”Vou lá regularmente.”*
As palavras foram um soco no estômago. Não era algo novo, mas uma rotina. Quanto tempo durara aquilo? Como fora tão cego? *”Deve ser um lugar especial, então”*, comentou, lutando para manter a voz estável.
Joana calou-se por minutos, e Henrique achou que não responderia. Mas então, surpreendentemente, ela começou a falar: *”Sim, é especial. É onde vejo alguém que… significa muito para mim. Alguém que o meu marido não conhece.”*
Henrique apertou o volante com tanta força que os nós dos dedos branquearam. Ali estava a confissão que temera, mas precisava ouvir. Joana admitia o caso a um estranho. *”O seu marido não sabe?”*, perguntou, a voz quase falhando.
*”Não”*, respondeu ela, olhando pela janela. *”E, se soubesse, acho que o destruiria.”* As palavras ecoaram na cabeça de Henrique como sinos fúnebres. Ela tinha razão: ele sentia-se destroçado. Mas o que mais doía não era a traição, mas o fato de ela saber o dano que causava — e continuar assim mesmo.
*”Por que não lhe diz?”*
Ela suspirou, um som que ele conhecia bem — o mesmo de quando enfrentava decisões difíceis. *”Porque ele não entenderia. Meu marido é um bom homem, mas há partes da minha vida que ele nunca quis conhecer. Prefere a versão perfeita de mim, a esposa que cabe no seu mundo de sucesso.”*
Henrique sentiu outra facada. Era verdade? Estivera tão absorto na imagem da família perfeita que nunca realmente conhecera a esposa?
*”Talvez ele quisesse conhecer essas partes se lhe desse a chance”*, sugeriu.
*”Duvido”*, respondeu Joana, com tristeza. *”Ele vive focado no trabalho, no sucesso, na imagem perfeita. Não tem tempo para complicações. E isto… seria uma grande complicação.”*
Ao chegarem ao bairro tranquilo, Henrique vira um mundo distante do seu — casas modestas, jardins cuidados, ruas arborizadas. *”Estamos perto”*, disse Joana.
*”Posso perguntar uma coisa? Essa pessoa… faz-na feliz?”*
Joana olhou para o retrovisor, estudando-o. Por um instante, ele temeu tê-la reconhecido, mas ela apenas sorriu, triste e terna. *”Sim. Faz-me lembrar quem eu era antes de me tornar a esposa perfeita.”*
As palavras cravaram-se-lhe no coração. Teria ele sido tão controlador que Joana perdera a si mesma?
*”É aqui”*, disse ela, apontando para uma casa acolhedora, com um jardim florido.
Henrique estacionou e observou, sem se revelar, enquanto Joana caminhava até a porta. Seus movimentos eram diferentes — mais soltos, mais naturais. A porta abriu-se antes de bater, e uma senhora de cabelos brancos abraçou-a com afeto. A mulher parecia-se incrivelmente com Joana. E então, uma menina correu para seus braços, chamando-a de “mãe”.
Henrique ficou paralisado. Não havia amante. Havia uma família que Joana mantivera em segredo. Uma mãe. Uma filha.
Enquanto via Joana abraçar a criança com a mesma intensidade com que abraçava seus filhos, percebeuE, naquele momento, Henrique compreendeu que a verdadeira traição não fora a de Joana, mas a sua própria cegueira em não ver que o amor mais puro de sua esposa sempre estivera dividido entre o mundo que ele criara e a família humilde que ela nunca ousara mostrar-lhe.





