Garoto de 7 anos pagou motociclistas para atacar namorado da mãe5 min de lectura

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O motociclista olhou para os sete euros em moedas de cinquenta cêntimos que o menino moribundo empurrou pela cama do hospital, suplicando-nos para “machucar o homem que fez isso.”

Chamava-se Rafael. Sete anos. Hemorragia interna. Costelas partidas. Inchaço no cérebro. As máquinas que o mantivam vivo soavam como se já chorassem por ele.

A pequena mão dele agarrou o meu colete de couro com a pouca força que lhe restava, e ele sussurrou através dos dentes partidos.

“O dinheiro da fada dos dentes”, disse, sangue borbulhando nos lábios.

“Guardei tudo. Sete euros. É o suficiente para contratar motociclistas, não é? Para machucar pessoas más? Por favor. Antes que ele mate a minha irmãzinha também.”

A enfermeira tentou puxá-lo para trás, pedindo-lhe que descansasse, mas Rafael não soltou o meu colete. Os olhos dele, um inchado e fechado, o outro verde-claro e desesperado, perfuraram-me.

“Ele disse à Mamã que faria parecer um acidente. Que eu tinha caído. Mas eu não caí. Ele empurrou-me pelas escadas catorze vezes até algo dentro de mim partir.”

Foi então que percebi que isto não era sobre vingança. Era o testemunho de uma criança a morrer. E nós éramos as únicas testemunhas.

Ando a andar de mota há quarenta e dois anos. António “Tanque” Mendes. Sessenta e seis anos. Vi guerras. Vi mortes. Pensei que já tinha visto de tudo.

Mas não tinha visto nada até aquela terça-feira no Hospital Pediátrico.

Estávamos lá para a nossa visita mensal. A ler para as crianças. A oferecer peluches. Cinco de nós dos Cavaleiros — eu, Zé Grande, Fumo, Costa, e Lata Velha. Fazíamos isto há anos. As crianças adoravam o couro, as motas no estacionamento que viam das janelas.

O quarto 318 não estava na nossa lista. Ouvimos choros lá dentro. Não era choro de criança. Era de adulto. O tipo que vem de uma alma despedaçada.

Uma enfermeira saiu, o rosto branco.

“Está tudo bem?” perguntou Zé Grande.

“Não”, sussurrou ela, olhando em volta. “Nada está bem. Aquele menino… o que lhe fizeram…” Parou. “Não devia dizer nada.”

“Que menino?” perguntei.

Ela olhou para os nossos coletes. Para os nossos emblemas. Tomou uma decisão.

“Rafael Tavares. Sete anos. Chegou há duas horas. Caiu das escadas, diz a mãe. Mas sou enfermeira pediátrica há vinte anos. Crianças não têm feridas defensivas de quedas.”

“Feridas defensivas?”

“As mãos dele. Cortadas. Como se tivesse tentado proteger-se de algo. Ou de alguém.”

O choro do quarto tornou-se mais alto. Uma voz feminina: “Por favor, filho, acorda. A Mãe pede desculpa. A Mãe pede tanto desculpa.”

“Podemos visitá-lo?” perguntei.

“Só família. Mas…” Olhou para o quarto, depois para nós. “A mãe dele foi à casa de banho. Se por acaso entrassem por trinta segundos…”

Entrámos.

Rafael era tão pequeno naquela cama. Máquinas por todo o lado. Tubos. Fios. O rosto dele estava tão inchado que era irreconhecível. Ambos os braços engessados. Ligaduras à volta do torso.

Mas os olhos estavam abertos. Um mal se via, devido ao inchaço. Mas abertos.

Viu-nos e não pareceu assustado. A maioria das crianças, ao ver cinco motociclistas grandes a entrar, entraria em pânico. Rafael não.

“Anjos?” sussurrou. “Já morri?”

“Não, miúdo”, disse suavemente. “Somos só motociclistas. Visitamos crianças.”

“Motociclistas?” O olho bom dele abriu-se um pouco mais. “A sério? Como na televisão? Os que protegem as pessoas?”

“Sim, miúdo. A sério.”

Foi então que ele tentou sentar-se. Não conseguiu. As máquinas começaram a apitar. Mas ele alcançou debaixo da almofada, puxando um pequeno saco de pano. Moedas tilintavam lá dentro.

“Tenho dinheiro”, disse. “Sete euros. Em moedas. Da fada dos dentes.”

“Isso é ótimo, miúdo—”

“Não!” Agarrou o meu colete com a mão enfaixada. “Ouça. Por favor. Preciso de contratá-los.”

“Contratar-nos?”

“Para o magoar. O Artur. O namorado da Mamã. Antes que ele magoe a Leonor.”

“Quem é Leonor?”

“A minha irmãzinha. Tem dois anos. Ele disse que ela é a próxima. Disse que se eu contasse o que ele faz, a Leonor também cairia pelas escadas.”

Zé Grande ajoelhou-se ao lado da cama. “Rafael, o que é que o Artur faz?”

“Empurra. Bate. Queima.” Puxou um pouco o roupão do hospital. Cicatrizes antigas. Queimaduras de cigarro. Marcas de cinto. Camadas de abuso. “Mas eu nunca contei. Nunca. Nem quando a professora perguntou. Nem quando o médico perguntou. Por causa da Leonor.”

“Por que estás a contar-nos?” perguntou Costa.

“Porque estou a morrer”, disse Rafael simplesmente. “Sinto. Algo partiu dentro de mim. Mesmo partido. E quando eu morrer, ninguém protegerá a Leonor.”

“A tua mãe—”

“A Mamã tem medo. O Artur também lhe bate. Mas em silêncio. Onde não se vê. Ela tenta pará-lo de vez em quando, mas ele é demasiado forte.”

A porta abriu-se. Uma mulher entrou — magra, exausta, com as próprias nódoas mal escondidas por baixo da maquilhagem.

Viu-nos e entrou em pânico. “Quem são vocês? SaEla olhou para nós, os olhos cheios de lágrimas, e sussurrou: “Obrigada por serem os anjos que o meu Rafael merecia,” antes de abraçar a pequena Leonor, que segurava uma moeda de cinquenta cêntimos como um tesouro herdado do irmão que a salvou mesmo depois de partir.

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