Pensei que estava a recuperar a minha vida. Afinal, estava só a incendiá-la.
Há três semanas, fiz as malas. Não às escondidas, nem em silêncio. Fiz isso depois de me levantar na frente de cinquenta pessoas—toda a família do meu marido—e anunciar que o ia deixar por um colega de trabalho.
Não foi uma decisão impulsiva. O meu marido estava desempregado há oito meses. Não foi um despedimento. Foi demitido. Por aparecer bêbado no armazém onde trabalhava. De novo. Prometeu que arranjaria emprego, mas passava os dias a jogar enquanto eu fazia turnos duplos no restaurante, a juntar tostões para o aluguer e as compras.
O meu colega começou como barman há seis meses. Inteligente. Ambicioso. Até tinha carro próprio, em vez de andar sempre a pedir o meu. Começámos a conversar nas horas mortas. Depois a trocar mensagens. Depois a sair depois do trabalho.
Uma noite, no apartamento dele, olhou para mim e disse:
—Tu mereces alguém que te dê segurança. Não um falhado que passa o dia a jogar.
Acreditei nele.
O almoço de família foi em casa da minha sogra. O quintal estava cheio de parentes, risadas e cadeiras de plástico. O meu marido gabava-se de algum torneio que tinha ganho online. O primo dele perguntou pela procura de emprego.
—Está quase— mentiu ele. —Tenho umas boas opções.
Perdi a paciência.
—Na verdade, não manda currículos há três meses— disse, levantando-me. —Estou farta de fingir. Vou embora com alguém que tem um trabalho a sério e ambição de verdade.
O quintal ficou em silêncio. O rosto do meu marido perdeu a cor.
—O que é que estás a dizer?— perguntou.
Não hesitei.
—Estou a dizer que és um parasita que nem consegue pagar as compras. Que encontrei alguém melhor. Alguém que ganha dinheiro em vez de viver à minha custa.
A irmã dele soltou um suspiro. A tia deixou cair o prato. A minha sogra atravessou o quintal em quatro passos furiosos e deu-me uma chapada com força.
—Sai da minha casa. Agora.
—Com todo o gosto— respondi, com a face a arder. —Divirtam-se a proteger o vosso filho fracassado.
Saí apenas com a minha mala. Naquela noite, mudei-me para casa do barman. Publiquei nas redes sociais que começava uma nova vida com um “homem a sério”.
Durou dois meses.
Afinal, o meu colega também andava com a nova rececionista. E com uma das empregadas. Encontrei-os na cama dele quando cheguei mais cedo do turno.
—Tu sabias que não era exclusivo— disse, como se eu fosse parva por assumir.
Não tinha para onde ir. O meu marido tinha mudado as fechaduras. A minha família disse que tinha feito a cama, agora era deitar-me. O barman ficou com a caução do apartamento que íamos partilhar.
Agora trabalho num restaurante de fast-food ao pé da autoestrada. Ordenado mínimo. Sem gorjetas.
O meu marido arranjou emprego na empresa de construção de um amigo no mês passado. Ontem publicou fotos do carro novo que comprou.
A marca da chapada desapareceu, mas às vezes ainda a sinto. Aquele momento em que pensei que era tão esperta, tão superior. Quando queimei todas as pontes por alguém que me via só como mais uma opção.
Ele ainda trabalha no mesmo restaurante. Já tem uma nova namorada. Eu frito hambúrgueres e pergunto-me se era isto que merecia o tempo todo.
Mas aquela cena, humilhá-lo na frente de toda a gente… Será que foi mesmo necessário? Ou fui só cruel?





